13 de junho de 2017

FOGO E FUMAÇA EM VOO

Fogo a bordo é uma das emergências mais temidas na aviação. E a história mostra que o tempo para a decisão de trazer a aeronave de volta ao solo faz grande diferença nas consequências para os ocupantes.


     Setembro de 1998. Um McDonnel Douglas MD-11 decola do Aeroporto Internacional de New York com destino a Genebra, na Suíça. Aproximadamente 53 minutos após a decolagem, estabilizado em voo de cruzeiro no FL 330, os tripulantes sentem um cheiro de queimado. Três minutos depois, com fumaça na cabine, notificam para o Controle de Tráfego Aéreo que há uma condição urgente a bordo e solicitam alternar para o aeródromo mais próximo. Os pilotos recebem autorização de prosseguir para o aeroporto de Halifax, no Canadá, a 60 milhas de distância, e a aeronave inicia a descida.

Mas o MD-11 ainda está muito alto e, enquanto perde altitude, a tripulação decide fazer uma curva se afastando do aeródromo para alijar combustível sobre o oceano e aliviar o peso para o pouso. Onze minutos se passam desde o aparecimento da fumaça quando vários sistemas da aeronave começam a falhar. Quase no mesmo instante, o comandante declara emergência total e informa que precisa pousar imediatamente. É a última comunicação da aeronave com o solo. Aproximadamente seis minutos depois, e cerca de 17 minutos após a notificação inicial, a aeronave mergulha nas águas do oceano Atlântico, no litoral canadense. O MD-11 desintegra-se no impacto e todos os 229 passageiros e tripulantes falecem. A investigação do acidente, mais tarde, identifica extensos danos por fogo no teto da seção dianteira da aeronave, logo atrás da cabine de comando.


Acidentes por fogo em voo não são comuns, mas suas conseqüências são assustadoras. Aproximadamente 15% das fatalidades ocorridas no transporte aéreo comercial em um período de dez anos foram causadas por fogo, embora este tipo de acidente represente apenas 3% do número total de eventos. Esta desproporção no número de vítimas está diretamente relacionada com a resposta que a tripulação oferece nos primeiros sinais de anormalidade. 


     Um dos grandes problemas reside em identificar a fonte e avaliar a sua gravidade. Na perspectiva do tripulante, o fogo em voo pode aparecer em sistemas específicos ou pode ser de origem desconhecida. Um princípio de fogo em áreas externas à fuselagem tem sido, estatisticamente, menos preocupante que um fogo na fuselagem. As naceles dos motores, por exemplo, são projetadas em conformidade a rígidos requisitos para evitar a propagação das chamas para outras áreas. Além disso, nestes casos, a tripulação recebe um alarme evidenciando nitidamente onde está o problema. E, por fim, os procedimentos de emergência preveem tudo o que deve ser feito para conter a propagação do incêndio. Apesar disto, algumas tragédias ocorrem se a resposta não é imediata. Um helicóptero biturbina Bell 212 teve um princípio de fogo na área dos motores mas, segundo o Relatório de Investigação, houve demora em cortar o motor afetado. A tripulação tentou antes confirmar o fogo visualmente, fazendo uma curva e procurando por um rastro de fumaça. Enquanto isto, o incêndio estava sendo alimentado por um vazamento de combustível sobre um gerador elétrico e propagou-se rapidamente, adentrando a área da cabine de passageiros e forçando um pouso no mar, provocando queimadura em diversos ocupantes, lesões fatais em duas pessoas e perda total da aeronave.


Fogo ou fumaça a bordo são umas das mais temidas emergências em voo

     Pelas estatísticas, o tipo de fogo em voo mais perigoso é aquele que não pode ser prontamente identificado na sua causa ou na sua localização, geralmente na área da fuselagem. O perigo vem do fato que a tripulação, na maioria das vezes, demora a reagir pela simples impossibilidade de identificar a sua origem e poder avaliar a sua gravidade. E se estiver exposto ao fluxo de ar externo em voo, o fogo pode se alastrar velozmente, sem que a tripulação tenha condições de fazer algo a respeito. Por isso, o tempo de resposta é essencial, seja no combate direto ao fogo, seja na decisão de retornar ao solo.

Voltemos ao caso do MD-11, a partir do instante em que a fumaça preencheu a cabine. Considerando uma hipotética descida de emergência na MMO/VMO, com uma razão aproximada de 7.000ft/min a partir da altitude de cruzeiro, a aeronave chegaria ao nível do mar cerca de seis minutos após o aparecimento da fumaça e estaria pousando em mais uns cinco minutos. Entretanto, a tripulação iniciou a descida com razão de 4.000 ft/min, diminuindo logo em seguida para 3.000ft/min e depois para 1500ft/min enquanto o combustível era alijado. Os tripulantes do MD-11, ainda sem terem assimilado a gravidade da situação, agiram segundo a extensa lista de procedimentos para casos de fumaça e que, na verdade, nem prevê uma descida de emergência. Além disso, decidiram pelo alijamento do combustível a fim de respeitar os limites de peso para a aterragem. Isto desperdiçou um tempo precioso e a aeronave colidiu com o mar cerca de 20 minutos após a primeira indicação de anormalidade. Uma descida de emergência colocaria a aeronave no solo na metade do tempo, mesmo acima do peso máximo, e teria aumentado a chance de sobrevivência dos ocupantes.

            A mesma demora na resposta aconteceu no caso de um DC-9 que cruzava tranquilamente no FL 330 quando a tripulação foi surpreendida por três disjuntores (Circuit-Breakers - CB’s) saltando em seqüência no painel de corta-circuitos. Eram CB’s do motor elétrico da descarga do lavatório. O comandante rearmou os disjuntores, mas eles saltaram de novo logo em seguida. Os pilotos estavam jantando e, cerca de cinco minutos depois, voltaram a pressionar os CB’s, que pularam mais uma vez. Simultaneamente, na cabine de passageiros, um comissário identificava fumaça saindo por baixo da porta do lavatório traseiro. Ele pegou um extintor de incêndio e abriu ligeiramente a porta. O compartimento estava carregado de fumaça, do piso até o teto, e o comissário chegou a ficar tonto com o cheiro forte. Nesta hora, o comandante recebia a informação de que havia fogo e mandou o co-piloto avaliar a situação. Não havia chamas visíveis, mas uma fumaça espessa dominava a parte traseira da cabine. 


Os comissários usavam os extintores contra as áreas de onde vinha a fumaça e reposicionavam os passageiros para a parte dianteira da aeronave. O co-piloto não tinha trazido seu capuz de proteção contra fumaça e não conseguia chegar próximo ao lavatório. O comandante, acreditando que o fogo estava sendo combatido com sucesso, mantinha a aeronave em voo de cruzeiro. O co-piloto voltou e informou que não conseguira checar a origem da fumaça, mas que era melhor começarem a descer. Antes que o comandante pudesse reagir, um dos comissários veio à cabine e avisou que todos os passageiros tinham sido reposicionados e que a fumaça estava se dissipando. O co-piloto, agora com sua máscara de proteção, voltou à cabine de passageiros e descobriu que a porta do toilete ainda estava bastante quente, apesar de dois extintores terem sido descarregados para dentro do compartimento. Informado que o fogo havia sido no depósito de lixo do lavatório e estava sob controle, o comandante ainda mantinha o DC-9 nivelado. Mas então o alarme central iluminou no painel, mostrando a perda das barras elétricas AC e DC e dos indicadores de atitude e só então os tripulantes decidiram pela descida de emergência. Isto aconteceu cerca de 17 minutos após o primeiro indício de problemas, evidenciado pela abertura dos CB’s do motor elétrico do lavatório. Mais sete minutos se passaram até o pouso e, no momento que a aeronave tocava o solo, o fogo era tão intenso que apenas 18 dos 41 passageiros conseguiram sair da aeronave. Os demais faleceram por intoxicação. A maioria dos 23 passageiros falecidos nem chegou a sair dos seus assentos.


DC-9 após o pouso em Cincinatti, EUA 

Talvez seja muito fácil apontar soluções depois de o fato consumado, quando toda a gravidade da situação se evidencia nitidamente. Mas a realidade é que, durante o voo, este cenário não é claro para os pilotos. Naquela época, muitos agiriam da mesma forma que a tripulação do MD-11 e existe uma razão para isto. Estudos norte americanos e canadenses, e a própria vivência do dia a dia, indicam que os eventos de cheiro de queimado ou vapores a bordo raramente evoluem para um fogo sem controle. Esta expectativa tem provocado uma diminuição da preocupação com esses casos, pois existe a percepção de que as fontes serão rapidamente descobertas e debeladas com o uso dos procedimentos previstos. Entretanto, e isto é importante, os mesmos estudos também mostram que, nas raras ocasiões onde o fogo não é controlado, existe um tempo extremamente curto para levar a aeronave de volta ao solo com segurança. O ensinamento aqui é claro: nas situações onde a origem da fumaça ou do fogo não estiver claramente identificada, a decisão de iniciar um desvio para um aeródromo alternativo deve ser feita imediatamente.

Estes casos demonstram a importância de uma resposta imediata às indicações de fogo. E esta reação é tão mais importante quanto maior for o desconhecimento ou a dúvida sobre a origem do fogo e da sua extensão. Responder rapidamente a uma situação ainda incerta nem sempre é fácil como parece, pois existe um grande número de fatores afetando a decisão do comandante, fatores como a cultura da companhia, considerações comerciais, o inconveniente e o desconforto dos passageiros no caso de uma descida de emergência, e as complicações inerentes a um pouso em local alternativo em aeroporto desconhecido. O acidente com o MD-11 chamou a atenção para as conseqüências de eventos que se iniciam com cheiro de queimado ou fumaça a bordo. Várias companhias aéreas e fabricantes de aeronaves modificaram seus manuais para garantir que as tripulações tenham procedimentos e treinamento para alternar e pousar imediatamente se houver fumaça visível de uma fonte não conhecida e que não possa ser imediatamente eliminada.

Em qualquer circunstância, é importante que a tripulação esteja trabalhando em conjunto. Ao identificar fogo ou fumaça, um dos comissários deve imediatamente avisar ao comandante para que uma descida de emergência possa ao menos ser planejada, enquanto o outro comissário inicia o combate ao fogo. Na cabine de comando, os pilotos devem colocar suas máscaras de oxigênio, aplicar os procedimentos previstos e manter sempre a mão a possibilidade de alternar para um campo mais próximo, lembrando que a maioria das fatalidades nestes acidentes decorre da intoxicação por fumaça. Com isto em mente, uma das opções seria colocar a aeronave no solo o mais rapidamente possível, para permitir o escape dos ocupantes, mesmo que isto ocorresse fora da área de aeródromo. Ou seja, sacrificar a aeronave em favor dos ocupantes. Dependendo da extensão do fogo, outras considerações, como o alijamento de combustível e as limitações operacionais, deixam de ter de prioridade. Em emergências graves, soluções de meio termo geralmente não dão certo. Em 1973, um Boeing 707 tentava alcançar a pista do aeroporto de Orly enquanto fogo e fumaça se propagavam violentamente pela cabine de passageiros. A aeronave nem chegou ao aeroporto - sendo forçada a um pouso em área rural - e nem houve tempo de salvar os ocupantes: 123 passageiros faleceram por intoxicação. Quando se trata de fogo a bordo, tempo é artigo precioso e não pode ser desperdiçado.



ACIDENTES FATAIS COM BIMOTORES LEVES - O ERRO CLÁSSICO

No dia 24 de janeiro de 2021, foi noticiado um acidente com aeronave Beechcraft Baron B55 nas proximidades da pista particular da Associação...