31 de maio de 2017

COMANDANTE DE AERONAVE


VOCÊ ESTÁ PRONTO PARA SER COMANDANTE?

A função de Comandante de aeronaves exige muito mais do que perícia de pilotagem e conhecimento técnico.

Você é o Comandante. Foi um longo caminho até aqui. Começou com os cursos básicos no aeroclube, exames teóricos, vôos de instrução, o primeiro cheque, a licença de Piloto Privado. Você continuou voando, ganhando experiência, foi contratado como co-piloto, continuou voando, mais cursos, mais cheques e, finalmente, a esperada promoção: você agora é comandante.
A mudança de contexto é brusca. Como co-piloto parecia até que ninguém lhe creditava capacidade para tomar decisão. Mas agora que você coloca a quarta faixa no ombro e ocupa o assento da esquerda, tudo muda. Pelo restante da carreira, a pergunta que você mais vai ouvir é: “o que o senhor quer fazer, Comandante?”. De repente, você virou um “expert” em tudo que se refere ao voo, desde saber a meteorologia no destino até lidar com a mais complexa das emergências em voo. Quando a empresa o promove a comandante, deposita em você uma confiança total. Não há ninguém supervisionando. O seu instrutor não está mais ao seu lado para aprovar ou desaprovar suas decisões. Não há mais oportunidade de ter uma conversa com o Chefe de Operações ou com a ANAC para tirar dúvidas. Você foi colocado em uma posição vital, não só dentro do avião, mas também na estrutura da empresa. As suas decisões na cabine podem ter um impacto significativo na imagem e na saúde financeira da companhia.
Como comandante, a empresa espera que você demonstre duas qualidades básicas: primeiro, que se desempenhe de maneira profissional e, segundo, que assuma a posição e aja como líder. Duas palavras que deverão nortear suas ações pelo resto da carreira: profissionalismo e liderança. O que elas realmente significam? Como profissional, espera-se que você opere o seu avião e conduza o voo de acordo com as normas da companhia e regulamentos de aviação, empregando o seu melhor julgamento e apoiando-se em padrões elevados de proficiência e segurança. Como líder, que você oriente e motive os tripulantes sob seu comando, para que também operem de forma profissional.
Ao assumir o assento esquerdo de um avião - ou o direito de um helicóptero -, você deve se questionar: estou pronto para ser comandante? Frequentemente usam-se referenciais inadequados para responder a esta pergunta. Alguns pilotos, equivocadamente, se julgam elegíveis à promoção com base apenas em suas qualificações técnicas ou na quantidade de horas de voo. Na prática, a promoção chega com a senioridade, mas isto não significa necessariamente capacidade. Algumas empresas, convenientemente, assumem que a capacitação vem com a experiência de voo e investem pouco no processo de desenvolvimento do novo comandante. Mas a função exige muito mais do que habilidade de fazer um pouso seguro ou conhecer os procedimentos de falha de motor. Estamos falando da capacidade de liderar uma equipe, de manter o foco no que é importante durante uma crise e de tomar decisões uma atrás da outra, algumas vezes sob pressão. Trata-se de um longo processo de aprendizado e deve ser encarado desta forma. Quando iniciou na aviação, você recebeu uma licença de Piloto Privado, mas você tinha plena consciência de que era uma “licença para aprender”. Como comandante, a abordagem deve ser a mesma. Não detenha o seu desenvolvimento só porque foi promovido. Você está começando de novo. Agora, outras habilidades são requeridas. A necessidade de aprender não termina nunca. É o seu comprometimento pessoal que vai determinar quão bem você vai se preparar e se desempenhar na função de comandante. Este aprendizado pode começar com o desenvolvimento de liderança.

Liderança
A tripulação é uma equipe e o desempenho desta equipe depende fundamentalmente do desempenho do líder. Líder não é o chefe ou o mais graduado, mas a pessoa cujas idéias e ações influenciam o pensamento e o comportamento dos outros. As quatro faixas no ombro não o tornam um líder. Você deve se esforçar para desenvolver um ambiente onde os outros estejam motivados enquanto trabalham para atingir um objetivo. Basicamente, as qualidades de um líder incluem honestidade e integridade, persuasão ao invés de coerção, clareza de propósitos, comunicação clara de suas expectativas, capacidade de ouvir e de tomar decisões. Acima de tudo, o líder consegue fazer a tripulação funcionar como uma equipe. Os conceitos básicos de liderança devem ser aprendidos e praticados. Você, Comandante, investiu dezenas, centenas de horas em estudo de sistemas, limitações da aeronave, regras de tráfego aéreo, técnicas de pilotagem e procedimentos de emergência. Quanto tempo da sua carreira você investiu para aprender (ou apenas ler) sobre liderança?
Quando você efetivamente lidera uma equipe, todos estarão predispostos a dar o melhor de si pela realização da tarefa. Esta disposição do grupo lhe fornece ferramentas para tomar decisões mais acertadas. A profissão do aviador, e principalmente a função  de comandante, exige incessante tomada de decisões. É assim na vida de qualquer pessoa mas, na aviação, as decisões envolvem a reputação da companhia aérea, a integridade de um equipamento de alto custo e a vida das pessoas que estão a bordo. É certo que tanto a responsabilidade como a autoridade para tomar decisões são do comandante, mas deve estar claro que utilizar o conhecimento e a experiência dos outros tripulantes vai melhorar a qualidade das decisões.

Profissionalismo
Como pilotos, estaremos freqüentemente em situação onde o fator tempo é crítico, exigindo julgamentos rápidos. Se estivermos despreparados, a pressão de tempo pode conduzir a falhas de decisão. Muitos dos julgamentos que um piloto faz não estão escritos em um manual, mas são baseados em pura experiência. Quanto mais informação e experiência um comandante reunir, melhor será sua capacidade de fazer um bom julgamento e tomar decisões acertadas. Independente do nível de experiência, sempre se pode aprender mais, pois nem todo conhecimento vem de experiências próprias. Este é o motivo pelo qual os pilotos devem estudar acidentes: usar a experiência dos outros e aplicar as lições aprendidas.
O comandante deve balizar suas ações e decisões em favor da segurança do voo pois qualquer tipo de acidente sempre levantará uma série de questões. A primeira pergunta que provavelmente que vai ser feita dentro da empresa, seja pelo Piloto-chefe, Gerente de Operações ou qualquer alto-executivo é “quem era o comandante?” Esta mesma questão será feita pela ANAC e pelos organismos de investigação, pela mídia e até pelo público geral. Quando acontece um acidente, o comandante repentinamente torna-se o piloto mais conhecido do País e imediatamente começa uma análise do seu desempenho. Foi falha humana? Poderia ter sido evitada? O piloto era qualificado? Era competente? Estava seguindo as regras? Tomou as decisões corretas?
  Para atenuar a chance de ver-se envolvido em acidentes aéreos, é bom saber que acidentes não ocorrem devido a um único erro, mas resultam de uma sequência de eventos. Nos casos classificados como “erro do piloto”, normalmente pode-se demonstrar que houve uma sequência de falhas de julgamento encadeados. Entretanto, Comandante, se houver uma quebra nesta corrente, através de uma decisão adequada, a sequência de julgamentos falhos poderá ser interrompida. Vejamos um exemplo. Quando um piloto comete uma falha no planejamento do voo e se vê envolto em condições meteorológicas adversas ou com pouco combustível, algumas vezes pode tentar disfarçar seu erro mantendo o planejamento original, tentando chegar ao destino e evitando um pouso alternativo que chamaria a atenção. Fazendo isso, o nível de estresse aumenta e outras falhas de julgamento aparecerão. Por outro lado, ao decidir pela segurança, optando logo pelo pouso em um campo alternativo, o piloto interrompe esta corrente. Insistir no planejamento original, aumenta o nível de estresse, gera novas falhas de julgamento e pode levar a um acidente que será, no mínimo, uma eterna mancha em sua carreira, sem contar a possibilidade de produzir consequências irreversíveis para quem está a bordo e suas famílias. 
Normalmente, a tripulação tem oportunidades para tomar decisões que interrompam a sequência de eventos que leva ao acidente, mas por um motivo ou outro, deixam de fazê-lo

        Algumas posturas podem ajudar a deter a sequência de falhas de julgamento. Comece estabelecendo bons canais de comunicação na cabine, mantendo-se aberto a ouvir os demais tripulantes. Isto abre as portas para o 
feedback e pode alertá-lo sobre falhas que levariam a uma consequência indesejada. Acima de tudo, seja honesto consigo mesmo afastando a vaidade por um momento, admitindo que cometeu um erro e tomando decisões que retomem o rumo da segurança. Vaidade no cockpit é uma das condições mais letais dentro da aviação.


        O comandante também deve estar alerta a contextos que colocam armadilhas à tomada de decisão. Quanto mais próximo chega do destino, por exemplo, mais difícil fica interromper uma aproximação, abandonar o pouso ou alternar para outro aeródromo. É difícil agir assim porque o ponto principal de um voo é chegar ao destino (ou cumprir sua missão, qualquer que seja), e pilotos são pessoas fortemente orientados pela realização da tarefa. Como comandante, você precisa evitar a tentação de continuar insistindo numa determinada linha de ação quando existem sinais indicando a você para não prosseguir. E você deve saber reconhecer estes sinais.
          O que um comandante pode fazer para evitar ser pego pelas armadilhas da aviação? Existem várias condutas, mas quatro conceitos serão oferecidos aqui para sua apreciação:
          - primeiro, estabeleça o seu ritmo e não se permita ser pressionado. Em outras palavras, organize o seu voo e comande o seu cockpit dentro de uma cadência que lhe permita gerir as informações, dentro do seu melhor julgamento e resistindo a pressões externas. Este é um indicativo de maturidade profissional. Se você estava preparado para fazer uma determinada aproximação para pouso e o ATC modificou a pista em uso ou então surgiu uma anormalidade de freios ou flaps, encontre tempo para preparar-se novamente. Aceite que para esta nova condição você não está pronto. Isto não é vergonha alguma, é gerenciamento. Peça um procedimento de espera enquanto revê o novo perfil de aproximação ou lê o check-list de emergências. Em apenas quatro minutos você estará verdadeiramente preparado para a nova condição. A aviação está repleta de acidentes fatais onde o comandante se deixou influenciar pela pressa sem a menor necessidade. Não existe economia de combustível ou de tempo que justifique o risco de um acidente aéreo.
          - mantenha a autodisciplina, seguindo os procedimentos, políticas e regulamentos. Uma grande parte dos procedimentos e regulamentos de aviação foi escrita como consequência de acidentes aéreos. Você pode não saber o motivo de eles existirem, mas existe sim um motivo e normalmente muito forte. Os procedimentos são resultado do infortúnio de outros que nos antecederam e contemplam aspectos de segurança do voo que vão te proteger, acredite.
          - terceiro, esteja sempre a frente do avião e dos acontecimentos que estão por vir, consciente das contingências usuais para a próxima fase do voo. Por exemplo, antes de iniciar o táxi, pense sobre os riscos associados à rolagem, como procedimentos de despacho, taxiways a serem utilizadas, chance de incursão em pistas. Antes da decolagem, repasse os dados de desempenho, o empuxo selecionado, procedimentos de rejeição de decolagem, rota de saída em condição normal ou em emergência. Esta postura serve para todas as fases do voo. Sempre que algo muda - e pode ser um item pequeno como mudança da altitude de cruzeiro ou ligar a alimentação cruzada de combustível - existem novos riscos que devem ser monitorados e gerenciados. Quanto mais preparado para contingências, quanto mais "a frente do avião" você estiver, menor a chance de ser pego desprevenido para tomar uma decisão.
          - finalmente, esteja aberto e receptivo a informações e feedback de todas as fontes, pois você poderá estar recebendo subsídios que recomendem uma mudança de curso. Na função de comando, seja tomando decisões a todo instante, seja manipulando os controles da aeronave, você deve ter a certeza que é a pessoa da tripulação que mais vai cometer erros, e o fato de estar aberto ao feedback de outros colegas e disposto a rever suas posições, deixando de lado a sua vaidade, pode poupá-lo de grandes problemas.

         Como comandante, você deve estabelecer prioridades e conduzir as atividades garantindo que se faça cada coisa a seu tempo e de forma completa. Você vai ser colocado em situação de estresse por causa de pressões. Algumas destas pressões podem ser auto-impostas, enquanto outras vêm do sistema, mas você tem que estar atento e preparado para lidar com elas. Entretanto, ceder a pressões em detrimento de seu melhor julgamento é o mesmo que abrir mão de sua autoridade e de sua prerrogativa de comandante. Não permita que isso aconteça. Faça as coisas no seu ritmo. Lutar contra pressões é um trabalho incessante na carreira de um comandante de aeronaves. Tenha em mente que você nunca será um bom comandante se não aprender a dizer não.

Conclusão
A função de comandante de aeronave traz uma série de exigências profissionais. A pilotagem de um avião em si é tarefa relativamente fácil. Por outro lado, saber comunicar-se com clareza e objetividade, exercitar a tomada de decisão, construir um background de experiências e conhecimento para abalizar estas decisões, ter humildade e honestidade de reavaliar seus julgamentos passados, agir como líder para formar uma equipe integrada, manter a autodisciplina quando existirem tentações em contrário, tudo isto exige uma preparação tão intensa quanto aquela que você dedicou aos aspectos técnicos. Neste novo estágio da carreira, estes são os atributos que você deve desenvolver para comandar uma aeronave, mas não espere até receber a quarta faixa para começar a pensar nisto. Em última análise, não dependa da sua empresa pois é você próprio que determina o quão eficiente vai ser.
Então, o que o senhor vai querer, Comandante?




  Baseado no livro e no artigo:
- Aircraft Command Techniques, Sal J. Falluco
- What Makes a Pilot "Street Smart" about Flying, United Airlines
- Adaptado por David Branco Filho - Março 2017

27 de maio de 2017

O QUE O ACIDENTE COM O AF447 PODE NOS ENSINAR SOBRE O USO DO RADAR METEOROLÓGICO DE BORDO


     Existe na internet uma análise meteorológica das condições que cercaram o acidente com o A330 voo AF447 (1). Muito desta análise está baseada em imagens de satélites meteorológicos, com a conclusão de que havia um sistema convectivo bastante ativo (uma tempestade) na rota do AF447. E a gente se pergunta: por que a tripulação entrou nesta tempestade?
      Nós sabemos que durante o voo os pilotos não tem acesso à essas imagens satélite. O que eles tem para se desviar das formações é o radar meteorológico de bordo. Lá naquela análise, bem no final do texto, sob o tópico "old imagery", existe link para uma figura que o artigo nem aborda mais, que mostra uma provável apresentação do radar de bordo do AF447 e que julgo importante comentarmos como aprendizado para nós, aviadores.
     É sabido que os radares meteorológicos dos aviões são projetados para refletir água em estado liquido e tem baixa refletividade para outras partículas ou para água em estado sólido (como cristais de gelo).
    Normalmente, não temos água em estado liquido no FL350. Se a tripulação atravessar um sistema convectivo e mantiver a antena do radar (TILT) nivelada com o horizonte, vai ter pouco ou nenhum retorno (verde ou preto na tela). Mas este retorno fraco do radar em altitude não significa que a meteorologia não ofereça perigo. Na verdade, os efeitos danosos de uma tempestade (como turbulência, granizo e cristais de gelo) podem atingir altitudes muito elevadas por causa das fortes correntes verticais e afetar significativamente o voo em níveis altos. Como não há água liquida nestas altitudes, o radar vai mostrar retornos fracos, o que pode induzir a tripulação a adentrar uma 'área verde' em altitude achando que não existe perigo.
    Por isso, a técnica recomenda que, em voo de cruzeiro em grandes altitudes, apontemos a antena do radar para baixo, mirando a faixa de altitude onde pode haver água em estado liquido, tipicamente ali em torno do 20.000ft, um pouco mais, um pouco menos. Com este procedimento, a tripulação vai ter uma noção do que acontece lá em baixo, no núcleo da tempestade, e pode presumir os efeitos que vai encontrar no seu nível de voo.
    Para ilustrar o conceito, na figura abaixo o avião está voando a 10.000ft e apontando a antena para cima procurando o núcleo mais refletivo da tempestade. Por outro lado, se voando em grandes altitudes, a antena deve procurar o mesmo núcleo, só que obviamente apontando para baixo. Se o avião estiver lá no FL350 com a antena apontando para o mesmo nível de voo, provavelmente não vai ter retorno no radar, apesar de adentrar a formação convectiva e sofrer suas consequências.
Deve-se utilizar o recurso de variação do TILT da antena radar para fazer uma varredura vertical e encontrar a parte da formação com maior refletividade, esteja ela acima ou abaixo do nível de voo da aeronave.


    Se imaginarmos (hipoteticamente) que a tripulação do AF 447 manteve o radar nivelado com o horizonte, eles provavelmente não viram nenhum retorno muito perigoso a sua frente, como mostra a tal figura da provável apresentação radar naquele nível de voo da referida análise meteorológica (veja na figura abaixo). Isto explicaria a decisão de não desviar. Mas o ponto aqui é que qualquer retorno em grande altitude deve ser motivo de grande preocupação e deve levar o tripulante a varrer a área abaixo para identificar o que está acontecendo e o que estaria provocando aqueles retornos no FL 350. Assim, os desvios devem ser programados com base nas informações que ele recebe lá de baixo também, da área mais ativa da tempestade.


Extrapolação da provável visualização no radar de bordo, baseado nas informações de satélite.

     Outras aeronaves também passaram na mesma região quase na mesma hora.  No voo Air France 459, o comandante tirou o radar do modo de ganho calibrado (CAL) e passou para o modo de ganho máximo (MAX), tudo com TILT da antena entre -1º e +1,5º graus. Os ecos apareciam em amarelo e vermelho quando no ganho máximo, mas apenas verde e amarelo em ganho calibrado. Já a tripulação do voo Lufthansa 507 observou retornos verde na sua tela do radar - provavelmente apontado para o mesmo nível de voo - e houve a decisão de desviar, mesmo sendo verde. Estes dois exemplos reforçam o fato de que o modo como o radar é operado vai apresentar visualizações muito diferentes para a tripulação e afetar sua tomada de decisão.      

     No caso do AF447, não há comentário da tripulação sobre ajuste significativo do TILT do radar. Os pilotos avisaram às comissárias que haveria um pouco de turbulência a frente, o que nos leva a imaginar que não estavam tendo ecos tão significativos do seu radar, o que leva a supor que estavam com o radar apontado para o nível de voo. Suposições... Mas, independente do que aconteceu neste evento, e a título de aprendizado, é importante ressaltar que o uso do radar meteorológico de bordo exige um pouco mais de conhecimento e de interpretação. Não basta ligar e olhar a tela.
     Como analogia, imaginemos estar em um terreno desconhecido, na escuridão completa e com apenas uma lanterna de mão. Para caminhar neste terreno, precisamos varrer lateral e verticalmente a área a nossa frente com a lanterna em busca do perigos, que podem ser tanto um buraco no solo como um galho de árvore na altura da cabeça. Então não adianta manter a lanterna apontada pra frente ou pra cima, pois você não verá o buraco que está no chão e vai se acidentar. É basicamente assim que acontece no voo em altitudes elevadas.

Se o caminho é desconhecido, é essencial fazer varreduras laterais e verticais constantemente, para identificar os perigos e manter a segurança.
      
     As imagens abaixo, feitas com o radar de um Embraer E175, ilustram o conceito descrito neste artigo. Na parte de cima da imagem, temos a foto de uma formação cumuliforme bem na rota e no mesmo nível de voo (FL380) como estava sendo vista pela tripulação. Na parte inferior esquerda da imagem, a tela do radar com com ângulo 0.0° não mostra nada a frente, o que é esperado, pois a refletividade em grande altitude é muito baixa. Na imagem embaixo a direita, a antena com ângulo de -5.0° consegue mostrar o núcleo da tempestade. É com este ajuste para baixo que o piloto deve se basear para efetuar os desvios. Se o piloto, em altitude elevada, mantiver o radar em ângulo zero, estando em IMC ou a noite, vai adentrar desavisadamente a formação de cumulus no seu nível e sofrer todas as suas consequências atmosféricas.

No canto inferior esquerdo do PFD pode se ler o TILT do radar, sendo 0.0º na imagem da esquerda e negativos 5.0º na imagem a direita.

          Em resumo, o que se quer enfatizar aqui é a necessidade de sabermos para onde apontar a antena do radar, dependendo da altitude do voo, e também saber interpretar a imagem na tela. Manter a antena apontada para o mesmo nível de voo tem sido observado com frequência, mas esta técnica não nos protege dos perigos da meteorologia. Se não soubermos para onde apontar a antena, seja voando alto ou voando baixo, simplesmente não veremos o cenário de risco e consequentemente não teremos como tomar decisões corretas para garantir a segurança do voo. Sobre a interpretação da imagem, há que se considerar o formato e a cor, mas nem sempre o que é verde na tela é ausência de perigo, nem sempre o que é vermelho significa algum risco (se alguém perguntar, podemos esclarecer isso também).
          Para quem opera aeronaves com radares Multi-Scan, há que se observar as características específicas de cada modelo. Este tipo de radar tem uma inteligência incorporada que rastreia o céu verticalmente também, além de fazer outras análises.
          Sobre a controversa reação da tripulação ao congelamento dos tubos de pitot, que acabou levando o avião a estolar e perder o controle, lembro da surpresa de meu pai, aviador experiente e atualmente aposentado, ao conversarmos sobre os eventos que resultaram no acidente com o AF447. Ele me esclareceu: "quando comecei a voar o Douglas DC-3 na década de 1960, meu instrutor me perguntou se eu sabia voar em mau tempo e eu disse que não. Ele então ensinou que eu deveria ajustar a potência do motor para um valor x, ligar o aquecimento do pitot, manter a ATITUDE da aeronave pelo horizonte artificial e não dar tanta atenção às informações de altitude, velocidade e VSI, pois tudo iria variar bastante. De fato, algumas vezes no voo o tubo de pitot congelava mesmo, a velocidade zerava, mas depois de um tempo voltava a indicar sem maiores problemas". Depois deste diálogo, me pareceu mais uma vez que a tecnologia está nos privando de algumas habilidades básicas que, se ainda fizessem parte da nossa cultura como aviadores, poderiam ter permitido àquele A330 chegar ao seu destino.


(1) - (http://www.weathergraphics.com/tim/af447/) .

ACIDENTES FATAIS COM BIMOTORES LEVES - O ERRO CLÁSSICO

No dia 24 de janeiro de 2021, foi noticiado um acidente com aeronave Beechcraft Baron B55 nas proximidades da pista particular da Associação...