20 de novembro de 2020

ROLAMENTO DINÂMICO EM HELICÓPTEROS





- Capotamento em helicóptero pode surpreender o piloto mais experiente - 

Um helicóptero em serviço aeromédico estava iniciando a decolagem para o pairado quando foi envolto por uma nuvem de poeira levantada pelo rotor. O piloto comandou o pouso, aguardou a poeira se dissipar e tentou decolar novamente. Envolto outra vez pela poeira, agora o helicóptero se moveu lateralmente e tocou um dos esquis no solo, capotando e sofrendo danos graves. Este tipo de acidente, ainda pouco compreendido e muito mais frequente do que se imagina, chama-se rolamento dinâmico e pode acontecer com qualquer piloto, independente da sua experiência, do tipo de helicóptero ou de operação que realiza. Alguns manuais de operação alertam que o grande perigo do rolamento dinâmico vem da sua característica de ocorrer dentro da faixa que normalmente se permite durante o voo. Em outras palavras, o aparelho pode ser colocado nesta condição bem antes que o piloto possa reconhecer.

Um helicóptero pode capotar em duas situações: quando se excede o ângulo de rolamento estático ou o de rolamento dinâmico. O primeiro é aquele para o qual um objeto deve ser inclinado de modo que o seu centro de gravidade fique diretamente sobre o ponto de apoio (figura 1). Se estiver inclinado além deste ângulo, o objeto capota. Se estiver em ângulo menor, retorna à posição de repouso. Para a maioria dos helicópteros, o rolamento estático acontece entre 30 e 35 graus e dificilmente é atingido em operação normal perto do solo. 

O rolamento estático acontecerá se a projeção vertical do CG exceder o ponto de apoio.



          Já o rolamento dinâmico é uma condição onde o piloto não tem mais autoridade de controle para evitar uma capotagem e pode acontecer em ângulos bem menores que do rolamento estático. Para entender esta falta de autoridade, é necessário conhecer a mecânica de controle lateral de um helicóptero. Em situação de equilíbrio, a linha de empuxo do rotor principal age diretamente sobre o centro de gravidade lateral (CG). Quando o piloto comanda o cíclico lateralmente, está inclinando o empuxo e provocando uma distância entre a linha de empuxo e o CG. Esta força deslocada do ponto de apoio produz um momento de rolamento (figura 2).



         A autoridade que o piloto tem de controle em torno do eixo longitudinal (rolamento) depende de dois fatores: primeiro, da distância que se coloca entre a linha de empuxo e o eixo de rotação, ou seja, quanto maior esta distância, maior a potência de controle. O outro fator é a quantidade de massa em torno deste eixo, pois quanto maior a inércia maior a dificuldade de iniciar ou de conter o movimento.

Em voo normal, tudo ocorre de forma previsível porque o eixo de rotação é o CG. O problema surge durante um deslocamento lateral em voo pairado quando o helicóptero entra em contato com o solo. Esta condição estabelece um novo ponto de apoio no trem de pouso. Imagine, olhando novamente a figura 2 acima, que o eixo de rolamento passa agora a ser o ponto de contato com o solo e não mais o CG. A partir deste instante, o aumento da distância entre a linha de empuxo e o novo ponto de apoio acelera incrivelmente o rolamento. Além disso, praticamente toda a massa do helicóptero estará em torno do novo ponto de apoio, ou seja, o helicóptero vai ter muito mais inércia no sentido de continuar o rolamento.  Observe no video abaixo, como a velocidade de giro aumenta exponencialmente quando o esqui inadvertidamente faz contato com o solo:


Esta tendência seria contrariada pelo uso do cíclico para o lado contrário. Entretanto, a correção também fica prejudicada, pois, se o piloto retardar a aplicação do comando, a linha de empuxo não vai agir por fora do eixo de rolamento e terá pouca ou nenhuma efetividade para interromper o movimento de rotação (figura 3). Podemos ter um rolamento dinâmico com baixissima inclinação, com ângulos facilmente atingidos se houver contato do trem de pouso durante um deslocamento lateral.

Se o piloto tenta contrariar com o cíclico, a linha de empuxo ainda por dentro do ponto de apoio não produzirá momento para contrariar o rolamento inicial da fuselagem


O grande problema é que a reação do piloto normalmente agrava a situação. Quando o helicóptero se inclina além do esperado, a resposta instintiva do tripulante é puxar o coletivo para tentar se afastar do solo. Isto não deve ser feito. Com uma das pernas do trem de pouso apoiada, esta resposta aumenta o empuxo do rotor principal no sentido do giro e aumenta a tendência do helicóptero capotar. Para interromper o movimento, o piloto deve se livrar do empuxo pois, durante esta condição, não há como saber se ele está acelerando ou contrariando o movimento de rotação. Isto é feito simplesmente baixando-se o coletivo. Ao eliminarmos o empuxo no rotor, permitimos que o peso da aeronave atue contra o movimento de rotação (figura 4). Claro que esta ação só será efetiva se o helicóptero ainda não tiver atingido o ângulo de rolamento estático. A atuação no manche cíclico tem pouca efetividade.

Quando se remove o empuxo do rotor principal, caso o helicóptero esteja ainda abaixo do ângulo de rolmento estático e com baixo momento de rolamento, o rolamento dinâmico poderá ser evitado


A mesma teoria se aplica às operações em terreno inclinado. Nestes casos, é realmente necessário apoiar o aparelho em um dos trens de pouso e girar em torno deste ponto. Geralmente, a decolagem impõe os maiores cuidados neste tipo de operação. A técnica utilizada consiste em mover o cíclico lateralmente em direção ao lado alto do terreno, ao mesmo tempo em que aumenta o passo coletivo. Isto deve ser feito suavemente, colocando o helicóptero em atitude nivelada antes de sair do solo (figura 5). Durante esta fase deve haver o cuidado de não permitir que se desenvolva uma velocidade angular em torno do ponto de apoio. Também não se deve aceitar uma decolagem que não seja exatamente na vertical, pois o helicóptero estaria em desequilíbrio ao sair do solo e isto provocaria um forte momento de rolamento. Caso o piloto perceba o helicóptero se inclinando em direção à parte mais alta do terreno, deve  reduzir o passo coletivo para retornar a uma atitude nivelada antes de continuar na decolagem. Se, por outro lado, o esqui mais alto começar a sair primeiro, o coletivo deve ser reduzido para se verificar se o esqui baixo não esta preso no solo por algum motivo.

Operação em terrreno inclinado


Em síntese, a redução do coletivo é muito mais eficiente no controle de rolamento do que o cíclico, porque diminui significativamente o empuxo total no rotor principal, enquanto o cíclico apenas o inclina. Na maioria dos casos, uma redução moderada, na razão de todo em cima à todo em baixo em dois segundos, é adequada para interromper a rotação. Deve haver cuidado de não baixar o coletivo muito rapidamente, para evitar um impacto da pá do rotor principal com a fuselagem. Uma redução abrupta sobre terreno inclinado também pode induzir o helicóptero a se apoiar no esqui baixo e, com a inércia, iniciar um rolamento morro abaixo. Obviamente, manobras muito rentes ao terreno aumentam a chance de um contanto inadvertido e de um acidente por rolamento dinâmico, como mostrado nos vídeos.

O pleno domínio do aparelho é essencial para prevenir este tipo de acidente. O resultado depende do piloto, da rapidez com que identifica o problema e da precisão na pilotagem. Uma atuação incorreta nos controles pode intensificar o rolamento e levar o helicóptero a uma atitude irrecuperável.


 David Branco Filho

Publicado pela primeira vez na Revista Aero Magazine, 2002

Ilustrações: M. Prado

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