21 de abril de 2018

SEGURANÇA DAS OPERAÇÕES NA AVIAÇÃO EXECUTIVA


Na noite de 29 de março de 2001, as 19:02h local, um Gulfstream III, operado pela Avjet Corporation, colidiu com o terreno cerca de 800 metros antes da pista 15 do aeroporto de Aspen, Colorado (EUA). Os três tripulantes e todos os 15 passageiros sofreram lesões fatais. A aeronave ficou destruída.

O G-III havia sido fretado para transportar um grupo de pessoas, decolando de Los Angeles (LAX) às 16:30, para participarem de uma festa em Aspen (ASE) naquela noite. Embora o avião estivesse pronto no horário, os passageiros chegaram com atraso e os pilotos comentaram com alguns deles que talvez não fosse possível o pouso no destino, por causa de restrições à operação noturna. Quando soube desta possibilidade, o cliente se irritou e mandou seu assessor ligar diretamente para a administração da Avjet, instruindo para que o piloto “guardasse para si este tipo de comentário”. Mandou dizer à Avjet que o avião não iria para nenhum campo alternativo, que ele já havia pousado em Aspen a noite e que iria pousar novamente. Durante o voo, o gravador de cabine registrou os tripulantes comentando entre si da importância de pousar em ASE, pois o cliente estava pagando caro por este fretamento. Com horário apertado, os pilotos sabiam que seria possível tentar uma aproximação apenas, e então teriam que alternar outro aeroporto a 100 Km de distância.

A aproximação que culminou com o acidente foi resultado de uma série de erros iniciados bem antes da decolagem. Aspen, localizado em região montanhosa, não é um aeroporto fácil para tentar um pouso em condições meteorológicas marginais, principalmente com uma tripulação que não está padronizada. E esta tripulação não estava. Não houve um briefing da descida IFR. Depois, o comandante permitiu que um passageiro viesse a ocupar o assento extra na cabine de pilotagem (jump-seat). Durante o perfil de aproximação, a tripulação cruzou diversos fixos abaixo das altitudes especificadas e o copiloto deixou de fazer os callouts previstos. Desceram abaixo da MDA, embora as manobras erráticas da aeronave e os comentários no cockpit indicassem que nenhum dos pilotos havia estabelecido contato visual com a pista. Quando a aeronave estava a 1,4 milha da cabeceira, o comandante pergunta “onde está?”, mas não abandona o procedimento, mesmo sem ter identificado a pista. Ele prossegue voando abaixo da MDA, mas o copiloto não reage. Os alarmes de GPWS indicam repetidamente a proximidade com o terreno. O controlador da torre vê a aeronave a baixa altura e a direita do alinhamento da pista, fazendo uma curva acentuada a esquerda, provavelmente tentando interceptar a aproximação final. O jato atinge o solo em uma inclinação lateral de 50 graus e explode.


Gulfstream GIII acidentado em Aspen, EUA

O AMBIENTE DA AVIAÇÃO EXECUTIVA
Como muitos outros, este acidente revelou-se como mais uma tragédia clássica da aviação executiva, onde uma série de fatores contribuiu para colapso nas decisões dos tripulantes. A aviação de transporte executivo, como qualquer outra área empresarial, é um negócio com características próprias. Quando mal administrado, seja sob o foco técnico, seja gerencial, conduz à condições que podem comprometer seriamente a segurança de voo. Primeiro, há que se conhecer bem o cenário deste tipo de operação. Uma rápida comparação com as grandes empresas de transporte comercial evidencia logo algumas diferenças. A aviação de transporte regular opera em um ambiente organizado e previsível. Nela existe uma programação e rotas pré-estabelecidas. Os tripulantes sabem, com semanas de antecedência, qual será sua escala, para onde estarão voando e qual será a jornada de trabalho. Na aviação executiva, por outro lado, a operação é por demanda, em um ambiente altamente dinâmico e mutável. Primeiro, porque as aeronaves estão à disposição da agenda dos seus clientes, o que impõe uma série de incertezas na programação, começando com o horário real de decolagem. As longas e imprevisíveis jornadas de trabalho geram fadiga nos tripulantes, deixando-os muito mais vulneráveis a erros operacionais.
Os tripulantes da executiva têm que lidar também com toda a burocracia de despacho e planejamento do voo, incluindo mudanças de última hora, que podem variar desde aspectos relativamente simples, como o número de passageiros, até uma modificação do destino final pelo cliente já durante o voo. Quando isto ocorre, todo o planejamento anterior tem que ser abandonado. A tripulação precisa rapidamente se adaptar às novas exigências, estimar sua capacidade de atingir o novo destino, escolher campos de alternativa diferentes e recalcular o desempenho para operação na pista desejada. Mudanças de última hora, tão comuns na aviação executiva, dificultam um trabalho de planejamento abrangente e podem significar um aumento expressivo do risco, ainda mais quando conjugado com operação em aeródromos menores. Muitos clientes fretam aeronaves executivas porque as condições da pista não permitiriam a operação de uma aeronave de transporte regular. Muitas vezes, são pistas curtas e com limitações na infraestrutura de apoio à navegação, balizadas apenas por procedimentos de não-precisão ou, até mesmo, por procedimento nenhum. Foi neste cenário que um helicóptero Agusta A-109 tentou, indevidamente, fazer uma aproximação noturna na região de Maresias, no litoral paulista, lançando mão de recursos improvisados para pousar sob condições meteorológicas adversas e acabou colidindo no mar. O questionamento mais frequente depois de acidentes deste tipo é: por que um piloto da aviação executiva tenta, como ocorreu em Aspen ou em Maresias, realizar procedimentos que são reconhecidamente perigosos?
Helicóptero Agusta A109 após acidente na praia de Maresias, SP

Pressão para voar e completar o voo talvez seja a resposta, um aspecto peculiar da aviação executiva que requer especial atenção, seja dos tripulantes, seja dos administradores da empresa. É um fato bem conhecido que pilotos sentem uma intensa compulsão no sentido de iniciar o voo e, depois de iniciado, chegar até o destino previsto. Existem muitos fatores que conspiram para induzir a esta atitude. Para um piloto novato que ainda está acumulando horas, cada minuto no ar o aproxima de atingir os requisitos para conseguir emprego na linha aérea. Para o piloto que recebe por hora, um voo recusado representa menos dinheiro no final do mês. Para o piloto executivo, existe a possibilidade de desagradar o cliente e perder o negócio, ou colocar em risco o próprio emprego. E, para todos os pilotos, ainda há uma sutil pressão interna, o orgulho de conseguir fazer algo quando outros não conseguem, talvez combinado com um falso sentimento de invulnerabilidade, que pode conduzir a comportamentos de alto risco.
Por causa de tantos fatores que podem levar um piloto a quebrar a regras e assumir riscos desnecessários, por causa da pressão do cliente, real ou percebida, é essencial que a alta administração de uma empresa de aviação executiva desenvolva e implemente uma forte cultura interna que valorize o cumprimento das regras, reduzindo o risco tanto quanto possível. É desalentador que em algumas companhias haja, na realidade, uma significativa pressão da administração no sentido de se desviar das normas, completando o voo e satisfazendo o cliente. Não é difícil descobrir por que isto acontece.
Toda companhia de aviação está no negócio para maximizar o lucro, e pode parecer que as normas frequentemente conspiram contra este objetivo. Em um mercado competitivo como de aviação, acaba sendo sedutor desviar-se das regras um pouco, ou mesmo totalmente, no interesse de agradar o cliente, de bater a concorrência e tornar seu negócio mais lucrativo. O que poucos percebem é que estas atitudes passam a influir o comportamento de muitos na organização. Chega a um ponto onde um tripulante que segue as regras e se proclame contra uma situação de risco, pode ser encarado como um “reclamão” ou um “antiaéreo” e ganhar a reputação de alguém que “não veste a camisa da empresa”. Por outro lado, um funcionário que desvia das normas para atingir os resultados será visto como “colaborador proativo”, e acabará sendo favorecido pela administração. Com o tempo, os “reclamões” ficam pelo caminho, enquanto os que “vestem a camisa” sobem os degraus na hierarquia. Finalmente, a pessoa que acredita em quebrar as regras assume a gerência de operações e produz mais pressão em cima de quem interrompe um voo por causa de meteorologia, de desempenho marginal da aeronave, de manutenção ou jornada de trabalho. Para piorar ainda mais as coisas, os alto-administradores da empresa talvez conheçam pouco sobre os riscos da aviação e simplesmente aceitam a visão distorcida do “eficiente” gerente de operações que sempre cumpre a missão. A pressão sobre o tripulante neste ambiente doentio pode ser intensa. Um diretor de operações, certa vez, jogou uma pilha de currículos sobre a mesa de um piloto que havia interrompido um voo alegando motivos de segurança. A mensagem era clara: “tem bastante gente aí fora que pode ocupar o seu lugar”. Empresas conduzidas desta forma estão apenas preparando o terreno para o próximo acidente, que poderá acontecer bem mais cedo que se imagina.
A aviação executiva tem características bem peculiares. Pode  apresentar um alto nível de segurança, assim como pode estar muito vulnerável, se mal administrada. As ferramentas para desenvolvimento da segurança de voo passam pelo treinamento de tripulantes, pela padronização operacional, pela identificação de perigos e administração dos riscos e, finalmente, pelo estímulo a uma cultura que valorize fazer o que é certo. Se eventuais desvios permitem completar o voo e gerar lucro por algum tempo, cedo ou tarde conduzirão a acidentes, representando um sério revés para o desenvolvimento global da aviação executiva.

11 de abril de 2018

GUIA PARA EXCELÊNCIA NAS OPERAÇÕES DE VOO



Muitos pilotos, apoiando-se no fato de manterem suas habilitações técnicas em dia, entendem estarem satisfazendo as exigências legais para operar uma aeronave. Isto é verdade. Mas também deve ser claro para eles que um voo anual de verificação garante apenas que certos requisitos mínimos foram atingidos. Embora vários grupos de profissionais da aviação trabalhem sob uma estrutura formal de treinamento e reciclagem, muitos outros não possuem esta facilidade e precisariam tomar uma decisão pessoal para buscar o seu aprimoramento. O piloto que tem esta percepção reconhece que ainda existe muito a ser desenvolvido, embora possa não saber exatamente por onde começar. Justamente para mostrar o caminho do aperfeiçoamento profissional, um modelo de excelência em aviação foi delineado pelo Dr. Tony Kern em seu livro Redefining Airmanship. Fazendo analogia com a construção de uma edificação, Kern propõe um referencial composto por uma sólida base, vários pilares de sustentação e uma estrutura superior, que permitiria ao piloto se avaliar e identificar as áreas que precisa desenvolver.


DISCIPLINA
A primeira e a mais importante das fundações é o compromisso pessoal com a disciplina. Por definição, disciplina pode ser entendida como a observância e o cumprimento das normas e regulamentos. Dependendo do tipo de aviação, pilotos podem operar uma boa parte do tempo sem supervisão direta de seus superiores e depende do indivíduo ter integridade para seguir a regulamentação sem ninguém fiscalizando. Numa visão mais internalizada, disciplina pode ser entendida como a força de vontade para exercer um julgamento sensato quando existirem tentações e pressões para fazer o contrário. Sim, sempre existirão estímulos para se afastar dos procedimentos preconizados: pressões comerciais, pressa, vaidade, exibicionismo, preguiça, complacência ou mesmo a falsa noção de que as regras existem para proteger os menos capacitados. Desculpas não faltam, mas nenhuma delas justifica o alto preço que se paga, mais cedo ou mais tarde, por desviar-se das normas e regulamentos. O piloto deve comprometer-se incondicionalmente com a disciplina, pois as violações são contagiosas e degradam sorrateiramente a capacidade de julgamento e tomada de decisão. A aceitação de um pequeno desvio abre espaço para desvios cada vez mais frequentes e mais graves, sem que a pessoa se dê conta disto. A história da aviação está repleta de pilotos com excelentes habilidades de voo, mas que foram traídos por julgamentos falhos decorrentes da falta de disciplina individual. Sem esta base firmemente assentada, todo o restante da estrutura estará comprometido, por mais habilidoso que você seja, por mais que conheça a sua aeronave.

HABILIDADES
A segunda fundação do modelo é formada pelas habilidades de pilotagem. Existem quatro níveis crescentes em que um aviador poderia se encaixar. O primeiro é o da segurança e, neste estágio, geralmente estão os pilotos que terminaram sua qualificação inicial e acabaram de fazer seu cheque no equipamento. Operam com um nível mínimo que evite consequências adversas por falta de habilidades motoras. Com o tempo, após um período de experiência operacional na aeronave, atingem o grau da eficácia, onde completam o voo de maneira segura e também atingindo os resultados esperados. A grande maioria se sente confortável nesta condição, o que acaba estancando seu próprio crescimento. Aqueles que não se acomodam, tentam subir para o patamar da eficiência, onde aprendem as técnicas que permitem a realização do voo despendendo menos recursos. Neste estágio, atingem os objetivos propostos e ainda economizam tempo e recursos (com o cuidado de não comprometer a segurança, claro). Finalmente, o grau mais elevado de habilidade é o da precisão. O piloto tem um senso de autoavaliação altamente refinado e se motiva a um constante aperfeiçoamento. Nunca se satisfaz com os padrões existentes e busca a perfeição em todo voo, em cada detalhe. Embora difícil de ser alcançada, mais importante que a perfeição em si é o desejo constante de se aprimorar.

PROFICIÊNCIA
Voar um avião, ainda que por diversão, é assunto sério e o piloto deveria estar constantemente se avaliando quanto ao seu nível de proficiência, a próxima base do modelo de excelência. Mesmo quando trabalha sob os auspícios de uma empresa, com programas de reciclagem para mantê-lo atualizado, só o próprio piloto conhece realmente seu grau de competência. Alguns se submetem aos cheques anuais desejando secretamente que o examinador não descubra suas fraquezas. O lado negativo desta atitude é que elas vão aparecer no momento mais impróprio. Diversos pilotos passam anos sem simular um tráfego de emergência ou uma aproximação IFR com painel parcial. Alguns não sabem de memória os itens críticos do checklist de falha de motor ou não têm autoconfiança para fazer uma aproximação com forte vento cruzado. Elevar seus níveis de proficiência depende muito da vontade do próprio indivíduo. 

Um dos métodos mais simples e mais eficientes, tanto para preservar quanto para adquirir proficiência, é o chamado “voo mental”. Consiste em uma combinação de técnicas de visualização, prática de procedimentos e condicionamento cognitivo. Pode ser feito na cabine do avião ou sentado na sala de estar. É um simulador virtual barato. Munido apenas de um checklist, uma poltrona e sua imaginação, o piloto deve visualizar passo a passo as fases de operação que deseja aperfeiçoar. Os movimentos físicos devem ser os mesmos que faria se estivesse na cabine em voo. Ao simular procedimentos de emergência, suas mãos devem se mexer como se estivessem atuando nos sistemas necessários. Isto condiciona a resposta motora e torna a reação mais rápida e instintiva quando a situação exigir. Alguns pilotos, talvez iludidos pela sua vasta experiência, podem acreditar que o voo mental seria útil apenas aos novatos. Grande engano. É uma técnica que deve ser levada a sério e é talvez o melhor recurso, depois do simulador, para treinar procedimentos, técnicas e habilidades requeridas para um voo.

PILARES DO CONHECIMENTO
Além dos princípios básicos de disciplina, habilidades e proficiência, o exercício da profissão de aviador exige uma série de conhecimentos específicos para sustentar suas decisões operacionais. O primeiro pilar é o CONHECIMENTO DE SI próprio, de suas limitações físicas e psicológicas. Questione um piloto sobre decolar em uma aeronave com problemas mecânicos e a resposta seria um óbvio não. Mas se a pergunta for para o campo pessoal, sobre assumir os controles de voo sem estar em condições ideais, gripado, cansado ou estressado, a resposta pode variar. Existe uma tendência humana, muita nítida entre a comunidade de pilotos, de se achar acima dessas limitações fisiológicas ou psicológicas. Admitir para si próprio e para os outros que não está em boas condições é um espelho da sua autocrítica. Um piloto que se permita fazer um voo abaixo de sua melhor forma, não está considerando que, em eventuais situações anormais e de emergência, ele será exigido ao máximo e pode não ter condições de responder a altura. Mais importante ainda é o indivíduo estar alerta às suas reações quando for submetido a pressões externas ou internas, como pressão de horários ou uma tendência ao exibicionismo. A capacidade de resistir a estas forças é uma clara indicação do seu nível de maturidade.

Conhecimento da AERONAVE é outro pilar que sustenta a execução segura da atividade aérea. Os currículos de treinamento geralmente atendem aos mínimos requeridos por lei e um conhecimento mais profundo vai bem além destes mínimos. O estudo deve começar com uma leitura completa da descrição da aeronave e seus sistemas. Não adianta tentar memorizar tudo e o piloto deve separar o que é importante do que não é. Com uma base de conhecimento de sistemas, o aviador pode partir para o estudo do material que assegure a sua sobrevivência: as limitações da aeronave e as emergências. Este conhecimento pode salvar vidas e deve ser memorizado, inclusive usando o recurso do voo mental para condicionar as respostas psicomotoras dos procedimentos de emergência. Quando o piloto estiver tranquilo na execução destas ações, poderá partir para áreas mais avançadas, utilizando ocorrências reais para incentivar novos estudos. A internet é uma inesgotável fonte de informação. Diversas páginas de órgãos de investigação de acidentes, como as do CENIPA e do NTSB, disponibilizam relatórios de eventos que podem ser usados para conhecer as vulnerabilidades do tipo de aeronave. É uma técnica excelente, porque automaticamente dá relevância ao material que esta sendo estudado. Já imaginou poder evitar um acidente porque voce leu sobre um evento igual que já tenha acontecido? A conjugação de reciclagens contínuas e estudo focado em ocorrências fornece uma sólida base de aprendizado do equipamento. Aviadores que se acomodam porque conhecem o “suficiente” para voar a aeronave abrem caminho para a complacência e inibem a continuidade do aperfeiçoamento. Ninguém nunca vai ter certeza de que sabe o bastante para lidar com qualquer situação que apareça em voo. Mesmo os aviadores mais experientes terão dúvidas sobre sistemas e procedimentos. O receio de não saber tudo pode ser a motivação para continuar pesquisando e aprendendo. Aqueles que acham que já acumularam informação suficiente, provavelmente estão em maior risco. Estabeleça um sistema pessoal de aprendizado que funcione pra você e dedique algum tempo a ele até tornar-se um hábito. 

Um grande número de aviadores divide a cabine com outros tripulantes e precisa saber como se desempenhar em grupo. Uma EQUIPE sintonizada congrega conhecimento e experiência para confrontar as novas situações de voo. Os treinamentos de gerenciamento de tripulação (CRM) abordam habilidades de relações interpessoais, de liderança, comunicação e cooperação, entre outros. Trabalhar em equipe nem sempre é fácil, mas, se feito da forma correta, pode otimizar a segurança e eficiência da operação. 

Sob o foco do AMBIENTE estão o conhecimento do ambiente físico, envolvendo meteorologia e infraestrutura, bem como o ambiente regulatório, as normas que orientam e que balizam nossas ações no meio. O RISCO, outro dos pilares, está sempre presente nas atividades de voo. Para evitar o risco totalmente, evitaríamos o voo, o que não é nosso objetivo. Nossas decisões envolvem risco e o controle desse risco. Devemos estar preparados para os riscos conhecidos e planejar. Para este fim, é de grande valor conhecer o perfil da ATIVIDADE, as suas peculiaridades e suas armadilhas.  Neste ponto, o estudo de relatórios de acidentes ocorrido com o mesmo tipo de missão acaba fortalecendo os pilares do conhecimento e aumentando a segurança operacional.

CONSCIÊNCIA SITUACIONAL
Na medida em que aqueles pilares estejam bem construídos, juntamente com um entendimento do ambiente, da missão e dos riscos associados, facilitam que o piloto perceba melhor tudo que passa a sua volta. Esta percepção precisa do que está acontecendo consigo, com a sua aeronave e no ambiente, tanto agora quanto no futuro próximo, é chamada de Consciência Situacional (CS). Um exemplo clássico de baixa CS é o caso daquele jato de passageiros que ficou mais de uma hora circulando perto do aeroporto, enquanto a tripulação concentrava-se em resolver uma pane no sistema de trem de pouso, e acabou caindo por falta de combustível. Todo piloto precisa exercitar o conceito de “estar à frente da sua aeronave”. Para isto, deve ser capaz de identificar os elementos da situação atual, compreender o seu significado e projetar as implicações em cenários prováveis.

Pode haver três diferentes níveis de CS. No nível mais básico, o piloto simplesmente percebe o que está acontecendo, como uma luz de aviso no painel, sabe o que isto significa e reage. No segundo nível, ele coloca o evento dentro de um contexto maior, agregando significado ao fato. Um piloto voando um pequeno monomotor sobre terreno montanhoso deve interpretar uma indicação de baixa pressão de óleo de forma diferente da que se estivesse voando um multimotor no circuito de tráfego. No terceiro nível de CS, o piloto percebe e assimila o significado do evento, e também projeta as suas implicações para o futuro. Os inimigos da CS são a atenção canalizada, a distração e a saturação de tarefas, pois impedem que informações relevantes sejam percebidas oportunamente. Todo esforço deve ser feito para identificar o aparecimento destas condições durante o voo e na adoção de medidas para atenuar suas implicações no desempenho pessoal.

JULGAMENTO E TOMADA DE DECISÃO
Os vários elementos do modelo de excelência, incluindo disciplina, habilidades, conhecimento e consciência situacional, se conjugam para sustentar uma boa capacidade de julgamento. Decisões operacionais acertadas dependem da avaliação correta da situação geral e isto nem sempre é fácil no ambiente dinâmico do voo. Julgamentos deficientes têm sido apontados como o fator mais comum nas investigações de acidentes, muito mais do que falhas de pilotagem ou do equipamento. Quando o tripulante erra em suas decisões, provavelmente é por falta de suporte em alguma das áreas já mencionadas. O julgamento está intimamente relacionado com a personalidade do indivíduo, com a experiência, com a preparação pessoal, e deve ser visto como uma combinação de arte e ciência. A ciência pode ser aprendida e a arte deve ser praticada. É altamente recomendável que o piloto, após cada voo, faça uma autocrítica para determinar a qualidade de suas decisões, onde elas poderiam ter sido melhores e por que. Manter uma espécie de registro pode auxiliar muito neste processo de aprendizado. Assim como qualquer outra habilidade de voo, o julgamento também pode ser desenvolvido e, em última análise, será tão bom quanto o piloto queira que seja.

CONCLUSÃO
O modelo de excelência permite que o piloto se autoavalie e identifique áreas que precisa aprimorar. O desenvolvimento profissional deve partir de uma motivação interna. Nenhum aviador terá instrutores por toda a vida ou um programa de treinamento exclusivo para suas necessidades. Aquele que deseja o aperfeiçoamento contínuo, deve se tornar seu próprio mentor e elaborar seu currículo de treinamento. Se um piloto suspeita que suas capacidades individuais não estejam no nível que deveriam, ele tem a obrigação de corrigir isto. O piloto consciencioso reconhece a necessidade de estar sempre buscando seu melhor desempenho. Afinal de contas, não é ele que escolhe a oportunidade para mostrar seus talentos. É a oportunidade que o escolhe.




Referências:
Redefining Airmanship, Tony Kern
What All Good Pilots Do, Robert Besco

ACIDENTES FATAIS COM BIMOTORES LEVES - O ERRO CLÁSSICO

No dia 24 de janeiro de 2021, foi noticiado um acidente com aeronave Beechcraft Baron B55 nas proximidades da pista particular da Associação...