Um
helicóptero bimotor S-76, com cinco pessoas a bordo, decola de um heliponto em
Cubatão, litoral de São Paulo, com destino ao aeroporto de Navegantes (SC). O
plano de voo era visual, direto sobre o mar, mantendo 4.500 pés de altitude. Ao
aproximar-se do litoral catarinense, a tripulação informou estar descendo para
500 pés. A cinco minutos de Navegantes, reportou ao controle de tráfego estar
subindo para 1000 pés para se manter em condições visuais. Em meio ao denso
nevoeiro que predominava na região, testemunhas afirmaram ter ouvido o som do
helicóptero e uma forte explosão. O aparelho colidiu com uma
elevação no terreno a 700 pés de altitude. Os cinco ocupantes faleceram no local e a aeronave ficou
completamente destruída.
Estatísticas de acidentes demonstram que este cenário tem acontecido com uma
frequência trágica. Pilotos operando oficialmente sob regras de voo visual (VFR)
continuam a colidir com obstáculos no terreno por falta de visibilidade para manobrar ou porque a entrada em condições de voo por
instrumentos (IMC) induziu à desorientação espacial e à perda de controle em voo.
Existem várias razões que explicariam porque um piloto de helicóptero em voo
VFR prossegue sob condições marginais, apesar de depender totalmente de
referências no terreno para navegar e manter o controle da aeronave. Algumas
destas razões são de ordem operacional, outras de ordem pessoal.
Primeiro,
há que se considerar que helicópteros operam em condições bem diferentes dos
aviões. Não cruzam no FL 350, nem a Mach 0.80. Helicópteros voam na maior parte
do tempo a baixa altura, perto do terreno, decolando de áreas sem apoio de
solo, sem informação meteorológica ou de tráfego aéreo. Pousam no topo de
edifícios, em helipontos de hospitais, em plataformas de petróleo ou no meio de
clareiras. Muitos voos ocorrem com apenas um piloto. Sua grande vantagem sobre
os aviões está na possibilidade de atingir destinos aonde o avião não chega.
Isto acaba gerando uma pressão para chegar a qualquer custo. Em outros casos, esperam-se
respostas rápidas, como nas tarefas de transporte aeromédico. Um estudo sobre
desempenho de tripulações concluiu que a possibilidade de erro humano é
multiplicada muitas vezes quando existe pressão de tempo. Estas exigências
frequentemente resultam em esforços para atingir resultados e acabam levando a
operações sob condições marginais de meteorologia. O piloto nem sempre está
preparado internamente para lidar com este contexto e veremos isso mais a frente.
Sob o
foco operacional, o nível de TREINAMENTO é um dos fatores mais presentes nos
acidentes envolvendo mau tempo. Certa vez, um helicóptero AS-332 decolou de
Curitiba para o Rio de Janeiro com plano visual, embora a meteorologia fosse
marginal para o voo VFR. Logo no início da rota, cruzando uma região
montanhosa, as condições de teto e visibilidade se degradaram a tal ponto que a
aeronave teve que reduzir demasiadamente a velocidade. Sem potência para voar
tão lento fora do efeito solo, o aparelho iniciou um afundamento descontrolado
até colidir violentamente com o terreno, sofrendo danos graves. Tanto a
tripulação quanto o helicóptero estavam qualificados para o voo IFR, mas a opção tinha sido pelo plano visual. Este comportamento tem sido mais corriqueiro
do que se imagina. A realidade é que, para muitos pilotos de helicóptero, o voo
por instrumentos não é praticado a ponto de manter a proficiência e isso afeta
a autoconfiança. Embora as empresas ou proprietários de aeronaves geralmente
exijam uma qualificação IFR na hora da contratação, por causa dos perfis de voo em que o
helicóptero é usado com mais frequência, decolando de lugares sem apoio e
voando VMC, haverá menor possibilidade de o piloto manter o treinamento. Por isso, pode acontecer de o comandante optar por não fazer um plano
IFR por absoluta falta de confiança na sua habilidade de controlar o
helicóptero sem referências externas.
A VAIDADE profissional é outro fator que induz à
decisão de continuar o voo visual sob condições degradadas. Quando decola, o
piloto supostamente teria verificado e estaria ciente das condições
meteorológicas ao longo da rota e destino. O retorno poderia gerar críticas de falha no
planejamento, do tipo “você não checou o tempo antes de decolar?”. As pressões
externas, sejam dos passageiros ou outros envolvidos com a operação, também se
somam àquelas pressões internas do próprio tripulante para completar o voo com o
mínimo possível de alterações. É muito comum o piloto acreditar na sua
capacidade de contornar a situação e de conseguir chegar ao destino. Um
relatório de acidente, entretanto, já concluiu certa vez: “os pilotos, particularmente aqueles mais experientes, de maneira geral
tentam terminar o voo da forma como foi planejado, agradando os passageiros,
cumprindo horários e demonstrando sua capacidade profissional. Mas esta atitude
pode trazer um efeito adverso para a segurança de voo, induzindo a constantes
desvios de procedimento e reforçando avaliações incorretas, produzindo práticas
perigosas que podem conduzir a uma tragédia”. Ou seja, o piloto passa a se
acostumar com condições marginais, aceitando gradativamente situações cada vez
mais críticas e, pior, sempre recebe um reforço positivo quando atinge o
resultado esperado.
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Acidentes por entrada inadvertida em IMC são normalmente catastróficos e letais |
Os
acidentes relacionados com restrição de visibilidade costumam ser
catastróficos. Ao mesmo tempo, são os mais facilmente evitáveis, pois a decisão
repousa nas mãos do tripulante. Quando defrontado com uma degradação das
condições meteorológicas, o piloto tem várias opções: continuar voando com
velocidade reduzida, retornar, fazer um pouso de precaução ou subir em IMC e
modificar o seu plano de voo para IFR.
A opção
de continuar o voo visual é escolhida pelo tripulante na maioria das vezes por se
adequar aos objetivos que ele definiu quando a aeronave decolou. Entretanto, é
a escolha que tem trazido as piores consequências operacionais, variando desde
colisões com fios até impactos violentos contra o terreno resultando em perda
total. Outra opção, a transição para o voo IMC, se não tiver sido previamente
planejada, aumenta excessivamente a carga de trabalho, mas é uma alternativa
viável à uma colisão contra o solo. Para que esta escolha seja exercida com
segurança, é essencial manter a proficiência no voo por instrumentos, através
de treinamento continuado. Já o pouso de precaução ou o retorno são ações
facilmente executáveis.
Estas duas
últimas alternativas preservam a iniciativa individual e o completo controle
sobre a situação, embora possam gerar pequenos inconvenientes, como atrasos na
chegada ao destino e eventuais críticas por parte dos colegas ou passageiros.
Apesar disto, o piloto consciencioso deve se colocar acima destas recriminações.
Preocupar-se com isto demonstraria apenas uma falta de confiança na sua
capacidade de avaliar uma situação e tomar uma decisão. No ambiente dinâmico do
voo, nenhuma decisão será perfeita, mas ninguém fora da cabine, na tranquilidade
de uma sala, tem o direito de criticar ações tomadas em favor da segurança do voo.
O piloto deve ter consciência que considerações posteriores ao pouso não podem
ser mais importantes que a segurança da sua aeronave e dos passageiros.
Este
aspecto tem sido frequentemente esquecido, mas, quando se verificam os
diferentes efeitos entre um comportamento cauteloso ou um mais arrojado, fica
fácil de escolher. Decisões em favor da segurança, que eventualmente provoquem
consequências menores, como um atraso no voo, podem apenas gerar críticas por
parte de pessoas menos preparadas profissionalmente. Mas seus comentários duram
pouco e são logo esquecidos. Por outro lado, decisões que comprometem
princípios de segurança, seja por influência de pressões externas ou de fatores
internos do próprio piloto, podem gerar tragédias que serão lembradas e
exploradas por toda uma carreira, isso se restar um carreira. O voo IMC
inadvertido pode ser uma das condições mais demandantes, desorientadoras e perigosas
que um piloto pode experimentar. A tentativa de voar visual em condições marginais
é uma das situações que tem feito inúmeras vítimas na operação de helicópteros.
Cabe tão somente ao piloto esta decisão crucial.
Referências
- Helicopter Safety Bulletin, Flight
Safety Foundation
- IMC, Pilot
Error cited in Rotorcraft Mishaps, Bill Wagstaff
- Relatórios Finais de Acidente,
Cenipa
Excelentes observações David.
ResponderExcluirEu faria apenas uma correção...
No meu ponto de vista, não existe IMC inadvertido. O que existe é IMC não planejado, IMC não intencional, ou qualquer coisa que o valha. Mas não inadvertido.
Vejamos: Ao fazer o planejamento o piloto já é advertido que a meteorologia não está favorável ao voo visual. Ok, o tempo pode se deteriorar após o planejamento. Ao chegar ao pátio para a decolagem, ele observa o céu e vê que não está legal. Segundo aviso (advertência).
Tudo bem, o tempo pode piorar com ele já em rota. Mas aí, o que o piloto faz quando a visibilidade cai? Diminui a velocidade (foi advertido novamente). E quando o teto cai? Passa a voar mais baixo.
De repente, entra em IMC e diz que foi inadvertido....
Sei que é a terminologia empregada por (quase) todos. Mas, não concordo.
O quase é porque já vi documentos do NTSB onde classificam de UIMC (Unintended IMC, Unplaned IMC).
Concordo com voce, Nilton! Mantive o termo apenas por uma questão de compatibilidade com o que já se usa mundo afora. Mas você tem razão! Muito obrigado pelo feedback e um grande abraço!
ExcluirExcelente artigo.
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirArtigo bastante esclarecedor. Infelizmente muitos pilotos cedem às pressões externas quanto às decisões a se tomar acerca da operação em condições meteorológicas adversas. E não raro pagam caro por isso.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, Mario Cesar!
ExcluirExiste também a certificação para single pilot de helicópteros que requerem em casos extremos como, IMC ou emergência de um segundo piloto para que o voo prossiga com segurança, muitos não utilizam devido ao custo de mais um salário, custo este que em muitos casos custarão suas vidas, para um helicóptero bi turbina IFR, manter a condição de voo e segurança em uma condição de emergência durante uma aproximação IFR e realiza-la com perfeição é para poucos exímios pilotos com grande experiência de voo e de vida, aos menos favorecidos resta rezar e tentar pousar no destino porque uma o não cumprimento da missão ao realizar um pouso de precaução poderá causar desemprego, ou desonra, ou destrato dos proprietários ou diretores da empresa.
ResponderExcluirExcelente artigo. Abordando de forma clara e de acordo com uma realidade existente.
ResponderExcluirMuito bom artigo, mas infelizmente aconteceu novamente.
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