Onze dicas essenciais para identificar uma das mais perigosas falhas humanas em acidentes aéreos
A tecnologia tem tornado a aviação cada vez mais segura. As aeronaves atuais possuem sistemas redundantes e inúmeros alarmes e proteções contra falhas. Quando um equipamento deixa de funcionar como deveria, um aviso se acende no painel e o piloto reporta-se ao “check-list”, onde vai encontrar procedimentos de emergência para lidar com qualquer situação previsível. Devido a este alto nível de proteção, as aeronaves de hoje possuem excelentes índices de confiabilidade técnica.
Por outro lado, quando o foco é o
tripulante parece não existir nenhum tipo de alarme que indique uma degradação de
desempenho durante a operação e nem procedimentos no check-list. Como a grande maioria dos acidentes aéreos estão atrelados à falhas humanas, seria extremamente valioso, como
ferramenta de prevenção, se houvesse como alertar o piloto quando o seu desempenho
estivesse diminuindo. Apesar de parecer difícil à primeira vista, existe sim
uma forma de identificar sutis colapsos no desempenho humano durante o voo e preparar-se para atenuá-los. Uma das falhas apontadas com alarmante frequência nas
investigações de acidentes tem sido a perda de CONSCIÊNCIA SITUACIONAL da
tripulação. Mas o que é consciência
situacional e como a sua falta poderia conduzir a acidentes?
Definição
Consciência
Situacional (CS) é a percepção precisa de todos os fatores que estejam afetando
a operação da aeronave. Significa que
o tripulante consegue tanto PERCEBER
e COMPREENDER a situação, como PROJETAR os acontecimentos
futuros na operação da aeronave. Dizer que um tripulante tem consciência
situacional é um jeito bonito de dizer que ele está “enxergando o cenário
geral” e que está preparado para o que pode acontecer pela frente.
Os problemas surgem quando a percepção que ele possui não corresponde à
realidade, pois isto pode levar à decisões incorretas na cabine, afetando a segurança do voo.
Sendo a perda de CS um aspecto tão importante e frequente em acidentes aéreos, organizações de treinamento compilaram vários indicativos de que um
tripulante estaria perdendo consciência situacional. Estes indicadores
funcionariam como uma luz de aviso no painel de alarmes, só que, ao
invés de alertar para falhas mecânicas, estariam advertindo para uma redução do
desempenho do ser humano. Da mesma forma que uma luz de alarme de gerador nos
faz prestar mais atenção ao sistema elétrico, o aparecimento de um ou mais indicativos de perda de consciência
situacional devem ser vistos como gatilhos para alertar o piloto sobre o seu próprio desempenho e sobre a operação da aeronave.
São ONZE os
indicadores de perda de C.S. que o tripulante deve conhecer e comentaremos como interpretar cada um deles.
1. Falha em atingir metas
Todo
voo envolve atingir uma série de parâmetros esperados, seja a hora estimada de chegada, o
consumo, a velocidade, potência, razão de subida, etc. Se estes parâmetros não são atingidos, é provável que esteja acontecendo algo que o
piloto não está acompanhando. Suponhamos, por exemplo, que a velocidade de
subida prevista para seu avião seja de 150kt. Após a decolagem, o aparelho não desenvolve mais que 120 kt. Claramente, uma meta não foi
atingida. Mas qual o motivo? As possibilidades são várias: talvez o trem de pouso não tenha
sido recolhido, o flap ainda esteja estendido, a potência de decolagem não esteja ajustada ou a atitude em arfagem esteja maior que o previsto. O indicador de perda de C.S. deve,
portanto, funcionar como um alerta para o tripulante. Para detectar o que está acontecendo é
necessário que ele revise a operação para tentar identificar a causa. Vejamos outro
exemplo. Durante um voo em rota, você estimou a hora para chegar a um determinado
fixo de controle, mas já passaram cinco minutos e nada do ponto. Meta
não atingida. Reveja logo o planejamento. Será que as proas estão corretas? Foi
usada a velocidade prevista? Um vento de proa retardou o deslocamento? Parecem
ações simples e óbvias, mas o desconhecimento deste conceito causou dezenas de mortes no fatídico voo RG254, um Boeing 737 que saiu de
Marabá para Belém em 1989 e nunca chegou ao destino, fazendo um pouso forçado noturno na floresta amazônica. Os tripulantes levaram
mais de uma hora além da estimada no destino para perceber que tinham tomado a proa incorreta em rota.
Também não atinaram que deveriam estar falando com o Controle de Aproximação de
Belém pelo rádio VHF de curto alcance, mas só conseguiam comunicar por meio do rádio HF de longo alcance, ou que os equipamentos de navegação a bordo não recebiam nenhum sinal do aeroporto de destino.
Ou seja, parâmetros esperados não foram atingidos e não dispararam na tripulação a
necessidade de rever a situação. Em resumo, se alguma meta não foi atingida,
revise a sua operação imediatamente.
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O Boeing 737 tomou a proa incorreta após a decolagem e, mesmo com vários sinais de que podia haver algo errado, os tripulantes levaram mais de uma hora para perceber
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2. Uso de procedimento não documentado
Os
manuais de uma aeronave estão repletos de procedimentos. Quando o piloto os segue,
o aparelho apresenta o comportamento previsto nos manuais. Ao utilizar as técnicas publicadas atingiremos as metas comentadas no item anterior,
que por sua vez aumentam o nível de CS. Quando o piloto se desvia dos
procedimentos, usando os famosos macetes, ele começa a perder consciência situacional, justamente porque
não sabe como o avião vai reagir. Um exemplo típico é a famosa aproximação de baixo ângulo, que geralmente ocorre quando o piloto presume que a pista é curta para o desempenho de pouso do seu avião e decide usar esta "técnica". Uma rampa de baixo ângulo na aproximação aumenta a dispersão horizontal, tanto para mais quanto para menos, e resulta em aviões flutuando demais no arredondamento e varando a pista ou, pior, tocando o trem de pouso antes da cabeceira e sofrendo danos graves. O fato é que, quando o piloto usa um procedimento não
previsto, ele passa a ser literalmente um piloto de teste, sem o conhecimento e o suporte de engenharia que os verdadeiros pilotos de teste possuem. Em aviação, quem inventa está se
expondo a riscos deconhecidos com consequências imprevisíveis.
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Um Cessna Citation tocou antes da pista durante uma aproximação com rampa baixa, sofrendo danos graves e provocando lesões fatais aos ocupantes
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3. Desvio dos procedimentos padronizados
Quando realizamos uma atividade continuadamente segundo um
mesmo padrão, fica mais fácil perceber alguma alteração. Qualquer variação do normal será facilmente notada, o que é bom para a CS. Por outro lado, realizar procedimentos de forma
diferente do padrão, exige uma atenção consciente e dirigida, removendo a
atenção do tripulante de outros aspectos que podem representar algum nível de
risco. Certa vez, durante uma aproximação final para pouso, o piloto percebeu
que estava muito alto. O procedimento previsto, todos sabemos, seria arremeter
e prosseguir para novo tráfego padrão. O piloto, entretanto, reduziu todo o
motor (power off), abriu os spoilers e comandou uma curva de 360° a
partir da vertical da cabeceira para enquadrar novamente a final. Como estava
executando um procedimento diferente do que estava acostumado, não tinha mais
as referências usuais do tráfego padrão para perceber, durante a curva, que
estava ficando baixo demais. Ao enquadrar a final, ainda tentou arremeter, mas o motor
em marcha lenta não acelerou a tempo. O avião estolado colidiu com a parte
traseira em um barranco antes da pista e perdeu metade da fuselagem. Portanto,
é bom lembrar que, quando executamos um procedimento de forma diferente, teremos
mais dificuldade para detectar os eventuais desvios. E aí o nível de risco
aumenta.
4. Violação de mínimos ou de limitações
A
operação de um avião envolve uma série de limitações, justamente com o objetivo
de manter o nível de segurança. Quando um piloto viola estas limitações, ele
provavelmente não sabe quais as reais implicações na operação. Qual o fator,
por exemplo, que limita o peso de decolagem de um avião multimotor? Será a
capacidade de subida monomotor, o comprimento de pista ou o limite estrutural
do avião? Para cada circunstância, é um destes fatores que está em evidência.
Um piloto pode violar o limite de peso raciocinando apenas com a capacidade de
subida monomotor e não saber que naquelas condições a limitação é de pista. E
estará decolando alheio aos riscos reais envolvidos com aquela operação
específica. Certa vez, ao participar de um treinamento teórico para voar um monomotor de passageiros, ouvi o instrutor de peso em balanceamento garantir que não era necessário cumprir os limites de balanceamento do avião, pois ele já havia voado além dos limites de centragem longitudinal e não havia acontecido nada. Fiquei na dúvida se ele sabia mesmo sobre o que estava falando.
É importante que o tripulante tenha em mente que o fabricante é a parte
menos interessada em colocar limitações no seu produto, pois os limites operacionais
afetam a competitividade com aeronaves concorrentes. Se existem limitações nos manuais, é
porque há um forte motivo para estarem lá, embora nem sempre estejam explícitados nos manuais de voo. Ao violarmos
limites do avião, estamos caminhando em terreno desconhecido e isto representa baixa
consciência situacional.
Outra área são os limites colocados pelos regulamentos. A aviação trabalha com uma margem de segurança. Os limites existem para que, mesmo que algum imprevisto aconteça, ainda haja uma margem de proteção antes do acidente. Por exemplo, o combustivel a bordo deve ser suficiente para ir da origem até o destino, mais um campo alternativo e mais um adicional de reserva. Alguns operadores insistem em abastecer com o mínimo para ir até o destino, por varios motivos injustificáveis. Só que isto compromete aquela margem de segurança que cobriria os imprevistos. O acidente com um Avro RJ85 na Colômbia, que decolou com combustivel exato para ir até o destino e famoso por vitimar um time de futebol brasileiro, mostra claramente como um fator externo (uma outra aeronave em emergência para o mesmo campo) pode corroer a ínfima margem de segurança que os pilotos tinham deixado para aquele voo, provocando um acidente grave e a morte de dezenas de pessoas.
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O Avro RJ-85 não tinha combustivel nem para uma órbita extra e caiu a poucos minutos do destino provocando 71 mortes
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5. Ninguém voando o avião
Como qualquer ser humano, o tripulante está sujeito a um
rebaixamento do nível de atenção quando submetido a situações rotineiras. É
muito comum que isto aconteça em tal extensão que ninguém a bordo esteja
monitorando a condição atual ou a progressão do voo. Certa vez, um turboélice de
passageiros estava em procedimento de subida para o nível de cruzeiro. Ao
cruzar 12.000 ft, a chefe de equipe foi à cabine e perguntou ao comandante se era
possível subir um pouco mais rápido, para que ela pudesse iniciar logo o
serviço de bordo ao nivelarem. O comandante aumentou a arfagem, colocou o
piloto automático no modo de “pitch hold”
(arfagem constante) e começou a conversar com a comissária que estava em pé à
porta. O copiloto estava concentrado no preenchimento do livro de bordo. O avião continuou
subindo e encontrou condições de formação de gelo durante mais de quatro
minutos. A velocidade começou a diminuir e, entretidos na conversa, nenhum dos
três percebeu o que ocorria. Ao cruzar 17.000 ft, o avião estolou e
entrou em uma violenta espiral descendente. A recuperação foi conseguida somente a
5.000 ft de altitude. Não havia ninguém monitorando o voo do avião. Nos modernos aparelhos automatizados, onde um voo pode ser totalmente programado no FMS (Flight Management System), esta circunstância é relativamente frequente e requer uma atenção consciente por parte dos tripulantes para sempre ter alguém monitorando a trajetória e a tração em uso.
6. Ninguém olhando para fora
Da
mesma forma que a anterior, quando a atenção de todos os pilotos é atraída para
dentro da cabine, perde-se uma parte importante da percepção. As áreas
terminais estão cada vez mais saturadas de tráfego e exigem atenção constante
da tripulação, mesmo quando voando IFR. Basta dizer que a maioria das colisões
em voo envolveu pilotos que estavam anotando instruções ou reprogramando o FMS. As cabines automatizadas monopolizam a atenção do piloto
ou induzem à complacência. Certa vez, um Boeing 777 estava fazendo um
procedimento ILS para o Aeroporto do Galeão, em condições visuais e com o piloto-automático acoplado. Havia
um NOTAM informando da inoperância do ILS, mas os tripulantes aparentemente não
sabiam disso. O piloto-automático seguiu um sinal espúrio de glide-slope e passou o marcador externo
600 ft abaixo da altura prevista sem que ningém percebesse. Continuou descendo na rampa falsa até que tocou o alarme do EGPWS (Enhanced Ground Proximity
Warning System), cerca de 15 segundos antes do impacto com o relevo. Portanto, quando
todos estão olhando para dentro, a tripulação pode não estar recebendo
importantes informações visuais, principalmente se estiver à baixa altura. Colisão
com pássaros é outro perigo que ficou mais evidente depois do pouso de um
Airbus no rio Hudson, e que só pode ser detectado se alguém estiver olhando para
fora. Perto do solo, a atenção deve ser dividida entre os sistemas do avião e o
ambiente externo. Seus olhos são as melhores fontes de informação que você
possui. Utilize-os.
7.
Problemas de comunicação
Quando a comunicação começa a ficar confusa, seja entre você
e seus companheiros ou com o controle de tráfego aéreo, você talvez não esteja recebendo informações importantes para a segurança do voo. Não deixe qualquer
dúvida progredir. Se não tem certeza do que foi dito, pergunte. Se sentir que
seus colegas estão quietos demais, pode ser que você tenha dito algo que afetou
a interação entre os tripulantes e aí vocês deixaram de ser uma equipe. Não
pode haver dúvida entre os tripulantes. A única pergunta tola dentro da cabine é aquela que deixou de ser feita. Não pode haver receio
de falar, de perguntar, expressar uma dúvida ou emitir uma opinião. Seja como
comandante, copiloto, comissário ou engenheiro de voo, deve haver um esforço voluntário para que a informação
operacional flua livremente. Questione sempre, receba os questionamentos dos outros com a mente aberta e perceba falhas de comunicação como um indicador de perda de C.S. Um problema oposto ocorre quando existe uma comunicação excessiva
e supérflua nas fases de alta carga de trabalho, o que pode remover a atenção
dos tripulantes para aspectos importantes do voo. Principalmente nas fases ANTES DA DECOLAGEM, APÓS A DECOLAGEM e ANTES DO POUSO, dentro da cabine somente deve ocorrer comunicação de
aspectos essenciais.
8. Ambiguidade
Quando o tripulante recebe informações discordantes de duas
fontes distintas, é bem provável que esteja acontecendo algo que ele não está
ciente. Estas ambiguidades de informações podem incluir indicadores do painel, manuais
de voo ou percepções individuais. Ambiguidades confundiram a tripulação de um jato
comercial que estava em ascensão para o nível de cruzeiro. Ao cruzar 16.000 ft
na subida, o copiloto fez uma observação para o comandante sobre o excelente
desempenho do avião: “você percebeu que
estamos subindo com 340 KIAS (velocidade indicada) e 5.000ft/min de razão?”
O engenheiro de voo comentou que era porque estavam leves. O primeiro oficial
aumentou o ângulo de subida para conter a velocidade que continuava aumentando.
Ao cruzarem o FL 230, a aeronave estava com 405 KIAS e subindo com 6500ft/min,
quando tocou o alarme de sobrevelocidade e logo em seguida houve atuação do stick-shaker (vibrador da coluna do
manche para aviso de baixa velocidade). O copiloto comentou que a vibração do
manche era devido ao elevado número Mach que estavam desenvolvendo. O
comandante orientou para que aumentasse ainda mais a arfagem. Na sequência, um
dos tripulantes reduziu as manetes de potência para não exceder a velocidade
máxima. O aviso de estol tocou e o jato entrou em uma espiral descendente, atingindo uma razão de descida de 15.000ft/min até colidir com o solo. Uma
análise dos fatos mostraria que o avião estava apresentando um desempenho
incoerente, do qual os tripulantes não se aperceberam. Ao contrário do que
seria esperado, à medida que subiam, a velocidade indicada e a razão de subida também cresciam,
apesar do aumento de arfagem. Logo antes da perda de controle, ao mesmo
tempo tocou o alarme de sobrevelocidade e o stick-shaker
indicativo de estol. Na verdade, as investigações revelaram que, enquanto a
tripulação lia a informação de 420 Kt indicados no velocímetro, o avião estava
com apenas 165 Kt (velocidade verdadeira). Este problema originara-se de um
congelamento de umidade nas linhas do sistema pitot-estático, pois o
aquecimento do pitot não havia sido acionado e estava enviando informações
falsas aos instrumentos na cabine. No entanto, em nenhum momento os tripulantes
detectaram as divergências entre o indicado e a realidade. Este caso
demonstra que, quando existem ambiguidades ou quando não se está certo sobre sua
situação, logicamente está se perdendo consciência situacional e exposto à um maior nível de risco. Esta condição exige uma revisão da operação e a busca pela coerência das informações recebidas.
9. Discrepâncias não resolvidas
Se
o piloto está operando com informações contraditórias e não faz nada a
respeito, está lidando com discrepâncias não resolvidas. Isto remove a sua atenção
de outros aspectos prioritários do voo, como o monitoramento da trajetória. Certa vez, um
jato cargueiro estava fazendo um procedimento de descida VOR noturno para
Cruzeiro do Sul, no Acre, quando tocou o alarme de fumaça no compartimento de
carga. O comandante pediu ao mecânico para ir até o compartimento verificar, mas nada
foi encontrado. O alarme tocou mais oito vezes durante o afastamento e perturbou
o desempenho da tripulação. Em consequência, preocupados com a sequência de alarmes, desviaram a atenção de aspectos
básicos do voo, o aparelho desceu inadvertidamente abaixo da MDA e colidiu com o terreno, matando todos
a bordo. Portanto, quando existir algo atrapalhando a atenção dos tripulantes, é necessário
que as tarefas sejam divididas ou, caso não seja possível, que se
dê prioridade para o controle de trajetória da aeronave. Discrepâncias não
resolvidas podem levar ao próximo item, a preocupação ou fixação da atenção.
Sempre que detectadas, as discrepâncias devem ser ou resolvidas ou isoladas para serem tratadas posteriormente.
10. Preocupação ou fixação
A
canalização de atenção ou a preocupação excessiva com um item específico
removem a atenção do piloto de outros aspectos importantes do voo e diminuem a
consciência situacional. Um dos
acidentes mais conhecidos do CRM que ilustra este fato aconteceu com um grande jato de
passageiros em 1972. O widebody
estava em procedimento de aproximação final noturna para a pista do aeroporto
de Miami, na Florida. Depois que acionaram a alavanca de extensão do trem de pouso, os
pilotos observaram que a luz indicadora de travamento do trem de nariz não
estava acesa. Arremeteram subindo para 2.000 ft, acoplaram o piloto-automático e os quatro tripulantes na
cabine se concentraram totalmente na resolução do problema do trem de pouso. Nesse meio tempo, houve uma desconexão inadvertida do piloto-automático, o avião começou
uma suave descida até colidir com o terreno, sofrendo perda total e vitimando
99 pessoas. Portanto, durante um voo, a tripulação deve ter a capacidade de perceber que
está com a atenção canalizada, dividir as tarefas e voltar a monitorar todos os
aspectos importantes da operação.
11. Sentimento de vazio
Todo
piloto já teve aquela sensação em voo de que algo errado estava acontecendo ou
para acontecer. Seria quase como uma intuição. Em 1992, por exemplo, um DC-8 estava
efetuando a órbita de um procedimento IFR para o aeroporto de Quito, no
Equador. Voavam em condições por instrumentos a 14.000ft, sem visibilidade externa, quando a luz do rádio-altímetro
(RA) acendeu indicando menos de 2.000ft. Embora estivessem nivelados, o RA começou a indicar altura cada vez menor em relação ao solo. Os tripulantes não entendiam o que estava
acontecendo, pois estavam seguindo o perfil do procedimento e estavam em altitude elevada. Desconfortável com
a situação, o comandante decidiu reagir. Iniciou uma manobra evasiva, com
potência máxima. Logo em seguida, tocou na cabine o alarme do GPWS. A altitude
indicada no RA continuou diminuindo, passando por 400ft, 300ft, 200ft e
estabilizando em 150ft indicados. O DC-8 estava agora subindo com 20 graus de
arfagem e 4.000ft/min de razão, ainda com 150ft no RA. Depois de alguns
segundos, a indicação de altitude voltou a crescer e o alarme cessou. Passado o
susto, o primeiro oficial achou que tinha sido um alarme falso e propôs que
repetissem o procedimento, mas o comandante sentiu necessidade de revisar a
operação e detectou a falha: em Quito, existiam dois equipamentos VOR, um que
balizava a aerovia e outro para o procedimento de descida. O avião estava,
inadvertidamente, fazendo o procedimento a partir do VOR da aerovia e entrou em
rumo de colisão com a cordilheira dos Andes. Mas antes mesmo de receber o alarme do GPWS, o
comandante acreditou nos sinais que recebia e reagiu decididamente, evitando
uma tragédia por muito pouco. A experiência tem mostrado que quando o algum tripulante acha que algo errado está acontecendo, na maioria das vezes isto é verdade.
Estas circunstâncias são típicas em ocorrências do tipo CFIT (Controlled Flight
Into Terrain). Nestes casos, as gravações de voz de cabine mostram que a
tripulação até percebe que algo não está bem, mas não acredita na intuição e
deixa de reagir.
Examine
novamente os ONZE INDICADORES de perda de consciência situacional. Eles apontam
situações que ocorrem com frequência nas operações aéreas, sem que soubéssemos
de sua importância. Detectar qualquer um desses indicadores não quer dizer que
um acidente seja iminente. Ao contrário, se o piloto perceber que alguns destes
indicadores descrevem a situação que está voando no momento, estará tendo a
oportunidade de retomar o nível de consciência situacional, enxergando o
cenário geral e aumentando o seu nível de segurança.
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Cartão com resumo dos onze indicadores de perda de CS
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Recuperação de CS
O
reconhecimento da perda de CS leva ao passo seguinte, o de admitir esta perda
para si e para os outros, muitas vezes o passo mais difícil. Ninguém gosta de
reconhecer sua falibilidade, mas o risco é muito grande para se manter a perda de CS em
segredo. Uma simples frase para o outro tripulante, do tipo “fique atento,
estou um pouco distraído” aumenta o nível de alerta do seu parceiro. Mas pode
ser que não haja outro tripulante ou talvez ele esteja tão desconectado quanto
você. Os especialistas recomendam vários passos para restabelecer o equilíbrio
e tentar retomar controle da situação. A recomendação mais importante e conhecida é VOAR a aeronave, preocupar-se primeiro com aspectos básicos do
voo, como altura, velocidade, autonomia, distância de obstáculos, e que pode
ser dividida em algumas técnicas úteis. Se você perceber os sintomas de perda
de CS, considere a realização dos seguintes passos:
1. Afaste-se dos obstáculos. Se estiver
a baixa altura, suba. Se estiver voando em formação com outra aeronave, aumente
a separação. Ao suspeitar que o outro tripulante perdeu CS, seja direto e
questione se houver tempo disponível. Quando não houver tempo, determine uma
ação apropriada.
2. Estabilize a aeronave. Após
afastar-se dos perigos imediatos, estabilize as condições. Use um nível de automação que diminua sua carga de trabalho. Ao reduzir a
quantidade de mudanças, você permite que sua mente tenha a oportunidade de
atualizar-se com a situação.
3. Disponibilize tempo. Se estiver
voando em IFR, requisite uma proa para algum fixo, pois isto lhe dará tempo para
pensar. Requisite uma órbita, ao invés de uma descida em rota. Se já chegou onde devia, faça outro
tráfego. Em aviação, a velha máxima “antes tarde do
que nunca” se aplica muito bem.
4. Busque informação. Utilize todas as
fontes imediatas disponíveis, como os outros tripulantes, o controle de tráfego
aéreo, os manuais de voo e sua experiência anterior. Resolva qualquer
discordância interna. Descubra porque você chegou antes ou depois, porque
consumiu muito ou pouco, onde está o outro avião que estava sendo vetorado para
o mesmo fixo, questione a autorização de tráfego que você achou confusa ou
pesquise a razão de estar se sentindo desconfortável com alguma situação. Em
resumo, restaure a confiança em você e em seu equipamento antes de tomar novas
decisões.
Lembre-se que o desfecho de seu voo
depende de você. Muitas vezes, apenas você poderá identificar uma diminuição no
seu desempenho. Os indicadores de perda de CS são ferramentas valiosas de se ter em mente para ajudar a retomar o domínio da situação. Cabe a você utilizá-los em todo e cada voo.
ESTE TEXTO ABORDA ASSUNTO DE UMA DAS AULAS DO MEU TREINAMENTO DE CRM
Treinamento para Consciência
Situacional, Douglas Schwartz, Revista
SIPAER
Cartão de Alerta Situacional,
Paulo M. P. Ribeiro
CRM, The Private Pilot’s Guide, Thomas Turner
Relatórios Finais de
Acidentes, CENIPA
Redefining Airmanship, Tony Kern
Air Disaster, MacArthur Job