Algumas vezes, uma emergência em voo pode gerar tanta ansiedade a ponto de dificultar a execução dos procedimentos. Como pode o piloto se preparar para contornar esta situação?
Alguém já falou
certa vez que existem dois tipos de pilotos: aqueles que já tiveram uma
emergência e aqueles que ainda vão ter.
Emergência é uma possibilidade na vida de qualquer aviador e seria bom
estarmos preparados para reagir adequadamente antes que a coisa se complique. Mas o segredo para lidar com uma situação de emergência não se limita a apenas
conhecer o checklist. Envolve, antes,
saber diagnosticar a situação para poder aplicar os procedimentos corretos. A
dificuldade ou o atraso em identificar o que está se passando pode agravar circunstâncias que, de outra forma, seriam contornáveis. Foi o que
aconteceu durante um voo em um monomotor turboélice com um tripulante ainda pouco experiente no modelo. Durante a descida, o piloto observou o
acendimento das luzes “gerador” e “hidráulica” no painel de alarmes. Após a
tentativa de rearmar o gerador, sem sucesso, e verificando que a pressão
hidráulica caia, ele reagiu rapidamente, comandando a extensão do trem de pouso antes de perder
totalmente o sistema. Em seguida, atuou na manete de potência para compensar a perda de velocidade. O avião não respondeu e continuou perdendo
velocidade e altura. Só então o piloto entendeu o que estava acontecendo. Na
verdade, ao guiar suas ações pelo painel de alarmes, ele não reconheceu que a sequência
de acendimento das luzes era em decorrência da parada da turbina. Como a falha
do motor em monomotores turboélice ou a jato não é assim tão evidente quanto em
um avião com motor convencional, ele reagiu pelos estímulos mais chamativos, ou
seja, a sequência de acendimento das luzes de alarme. A
interpretação errônea e a aplicação de procedimentos inadequados levaram a uma
situação irreversível: aeronave com o trem travado em baixo, motor parado,
grande razão de afundamento e à baixa altura, sem tempo de tentar nova partida
em voo. Perdeu-se um avião devido, entre outros fatores, à falha em identificar
a situação e reagir corretamente.
As luzes de alarme são um indicativo do tipo de falha de sistema, mas nem sempre dizem tudo o que o piloto precisa saber |
É perfeitamente compreensível
que, no caso de uma anormalidade em voo, o piloto seja tomado por alguma dose
de apreensão, embora ninguém goste de admitir isto abertamente. Mas esta é uma
conversa entre pilotos e podemos falar sobre o assunto. Quando, por exemplo, um motor para,
parece que o cérebro congela por alguns instantes. Tentamos pensar em algo para
fazer, mas a resposta pode demorar a vir. Um dos componentes desta apreensão é o medo
do que pode acontecer. Se o motor parou, o piloto não tem medo por estar
planando. A preocupação é com o que possa acontecer no final deste planeio. Se o tripulante sabe
como minimizar o perigo, será capaz de se concentrar na ação. Quando não sabe,
sua mente vai focalizar no desastre que ele imagina que vai encarar em alguns instantes. O
medo é inevitável em uma situação de emergência. O pânico é o medo elevado a um
nível que congela a mente. Com treinamento, é algo que pode ser evitado ou, ao
menos, administrado. Se o pânico aparecer, devemos estar aptos a responder com
alguma ação que esteja firmemente implantada em nossas mentes, antes mesmo de
haver tempo de pensar sobre o que está ocorrendo.
Nunca é demais
enfatizar que, em qualquer situação anormal, a prioridade deve ser VOAR e CONTROLAR
o avião. Parece óbvio, mas a realidade mostra que não tem acontecido assim.
Manter o controle da aeronave tem precedência sobre qualquer outro
procedimento. Mesmo que a aeronave esteja pegando fogo, você deve primeiro voar
e controlar o avião e depois tentar apagar o fogo. Logicamente, isto é muito
mais fácil de falar do que fazer, mas é fato comprovado que muitos pilotos
acidentaram-se porque priorizaram o combate à emergência em detrimento do
controle da aeronave.
Assim sendo, e lembrando sempre
daquela prioridade de voar e controlar o avião, os passos vitais dos procedimentos de emergência devem estar
memorizados e exercitados, de forma que o condicionamento ajude o início de uma
resposta automática antes que o pânico domine. Este condicionamento realmente
funciona. Se treinarmos um procedimento de emergência, simulando a
operação e atuando nos controles e dispositivos, praticando os movimentos e
gestos na cabine - mesmo com o avião estacionado no pátio - vamos apresentar a
mesma resposta instintivamente quando a pane aparecer. Durante uma parada de
motor que experimentei no início da carreira, coloquei o avião na atitude de planeio (controle da
aeronave) e minhas mãos procuraram a seletora do tanque de combustível, a bomba
elétrica e os magnetos (procedimentos), antes mesmo de ter tido tempo de pensar
no que estava ocorrendo. Isso só aconteceu assim porque eu havia passado por um
intensivo treinamento de procedimentos de emergência. O motor voltou a funcionar e só então
entendi que havia deixado de monitorar o combustível e que um dos tanques havia
secado. A velocidade de resposta foi essencial porque era um voo à baixa altura
e fez muita diferença para evitar um acidente. Por isso é importante que alguns
procedimentos sejam efetivamente praticados e não apenas memorizados, para que
se condicione uma resposta motora inicial até que o cérebro volte a funcionar.
A triste realidade, entretanto, é que, depois da instrução básica, dificilmente
o piloto se aplica nos treinamentos a ponto de condicionar suas respostas.
Neste caso, quando o pânico aparecer, ele vai ter que aguardar um pouco até que
seu cérebro volte novamente à ação. E isto pode consumir um tempo precioso.
Para lidar com uma
emergência técnica em voo, portanto, é necessário saber realizar os
procedimentos e até mesmo condicionar algumas respostas. Contudo, apenas
memorizar as ações vitais não é suficiente. É preciso, acima de tudo,
reconhecer e entender o que está acontecendo. Uma luz de gerador no painel pode
significar uma falha de gerador, mas também uma pane elétrica total ou mesmo um
apagamento de motor. Pergunte-se, então, quais são os sintomas quando um motor para?
Quais os sinais que sua aeronave apresenta? O que os instrumentos indicam,
quais as luzes que se acendem, quais as reações aerodinâmicas resultantes daquele
problema? O piloto que não tem uma resposta correta para estas perguntas, pode
ver-se em situação complicada de uma hora para outra. Certa vez, voando de
passageiro em um pequeno bimotor turboélice, me surpreendi com o briefing de decolagem feito pelo
comandante: “no caso de falha do motor
após a rotação, faremos a identificação do motor em pane. Vamos confirmar com
os pedais do leme: o pedal que estiver duro é o do motor em pane”. E o copiloto
concordou com o briefing incorreto. Fico imaginando o que teria acontecido se aqueles pilotos tivessem
experimentado uma pane na decolagem logo após a rotação. No mínimo, certa
confusão na cabine em um momento especialmente crítico, onde respostas
inadequadas poderiam conduzir a uma tragédia.
Será que nós
pilotos estamos realmente aptos a diagnosticar uma emergência e aplicar os
procedimentos necessários? Vejamos alguns exemplos de casos verídicos, colhidos
nas investigações de acidentes. Os tripulantes de um helicóptero Bell 205,
voando sobre o mar, observaram a queda de rpm no tacômetro de rotação da turbina de N2. Eles
interpretaram a indicação como sendo uma falha do motor, comandaram uma autorrotação
e executaram uma amerissagem forçada. Não fizeram um cheque cruzado para
confirmar a pane, que era falha apenas do tacômetro e não da turbina. O
helicóptero teve perda total, dois tripulantes afundaram com os destroços e um
ficou gravemente ferido. Em outro caso, um Learjet entrou em emergência quando
os pilotos identificaram um grave desbalanceamento de combustível entre os
tanques das asas. Eles concluíram que os dois motores estavam consumindo de um
só tanque, já prestes a ficar vazio, e que isso implicaria na parada iminente de
ambos os reatores. Se conhecessem melhor o sistema, saberiam que, por
construção, cada tanque de asa daquele modelo só abastece o motor de
seu próprio lado e, portanto, perderiam apenas um dos motores e não os dois
como imaginavam. Fizeram um tráfego de emergência apressado e mal planejado, e
a aeronave perdeu o controle devido ao desbalanceamento excessivo e aos
procedimentos incorretos na cabine. O Learjet girou violentamente e atingiu o
solo de dorso. Todos os seis ocupantes a bordo morreram por erros cometidos a
partir de uma situação que não tinha motivo para pânico.
Se, por um lado, a
falta de treinamento e de conhecimento vai se evidenciar durante a emergência,
por outro lado os excessos no treinamento poderão ser desencadeadores de
acidentes. Certa vez, um bimotor EMB-110 Bandeirante decolou de Montes Claros para
Belo Horizonte, com o copiloto operando. Durante a subida, como treinamento, o
comandante reduziu e embandeirou o motor direito. Foram feitos os procedimentos
previstos e novamente retomada a subida. Ao atingirem o FL 100, o comandante
reduziu, embandeirou e cortou os dois motores simultaneamente, para demonstrar
ao copiloto as características de voo naquela situação. Logo depois, tentou dar partida normal nas turbinas, mas não conseguiu.
Pretendeu então uma partida sem arranque, infrutífera. Nestas circunstâncias, a
única opção foi um pouso de emergência em uma rodovia, resultando em danos
graves na aeronave durante um treinamento não previsto e desnecessário.
Embraer 110 Bandeirante faz um pouso forçado após um desnecessário treinamento de falha dos dois motores
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Alguns instrutores defendem que a preparação do piloto para a emergência deve ser a mais realista possível. Esta é uma abordagem bastante discutível, pois frequentemente vai colocar a aeronave em situações críticas, algumas vezes irrecuperáveis. A realidade têm demonstrado que muitas vezes a simulação vira emergência real. Em 1983, um Boeing 737 tinha acabado de decolar de Manaus, quando testemunhas viram o avião iniciar um intenso rolamento lateral, passar para o dorso e colidir com o terreno. Não houve sobreviventes. As investigações revelaram que, após sair do solo, o comandante reduziu a manete do motor esquerdo. O copiloto tentou controlar o avião, mas manteve uma atitude de arfagem reduzida e a aeronave começou a descer. Depois de alguns segundos, percebendo que a situação se complicava, o comandante avançou a manete de volta para potência máxima. O restabelecimento inesperado do empuxo, conjugado com o pedal aplicado pelo copiloto para manter o controle em condição monomotor, fizeram o avião girar para o voo de dorso e causar o acidente. Por isso, o instrutor deve sempre pesar a necessidade de treinamento de uma emergência simulada contra os riscos associados ao voo real. Se alguma coisa sair errada, os prejuízos serão muito maiores que os benefícios. A preparação de um piloto para algumas emergências críticas pode ser feita no solo, de várias formas, seja conversando numa sala de briefing, na cabine de um avião estacionado, ou - a melhor opção - no simulador de voo. Algumas empresas de aviação ainda não perceberam a valia do treinamento em simulador. Os benefícios são inestimáveis, pois permitem que o piloto se capacite a identificar situações que nunca poderiam ser reproduzidas com segurança no voo real, além de condicionar as respostas motoras a estas ocorrências.
Uma ótima
recomendação para se preparar para emergências envolve pesquisar os acidentes ocorridos com o tipo de aeronave ou com o tipo de operação que você
voa. Atualmente, uma busca na internet em websites especializados disponibiliza um número sem fim de
relatórios de investigação que podem ser usados para o seu aprimoramento
profissional. Por que então cair novamente nas mesmas armadilhas ou cometer os
mesmos erros de outros que se acidentaram e deixaram sua experiência para o
nosso aprendizado?
Utilize as informações disponiveis na web para aumentar o seu conhecimento sobre acidentes com o tipo de avião ou de operação em que voce atua |
Profissionalismo em aviação é uma atitude. O piloto que não tiver uma postura correta estará sempre passeando no fio da navalha. Independente da habilitação ou da licença que possui, da escola de formação que tenha frequentado, dos aviões que tenha voado e do tempo que esteja na aviação, independente de receber para voar ou de pilotar como hobby, é a ATITUDE do piloto com relação à atividade aérea que vai ditar o seu desempenho e o seu nível de segurança na operação. Estar preparado para emergência é uma das marcas deste profissionalismo.
Referências:
Get-down-itis, Bud Davisson, Flight Training Magazine
Get-down-itis, Bud Davisson, Flight Training Magazine
Relatórios Finais de Acidentes, CENIPA